Refilmagem da animação de 1994, este novo O Rei Leão ganha a alcunha de live action, apesar de, obviamente, ser uma animação produzida com computação gráfica. Afinal, não seria possível que os animais do filme atuassem como atores. Na verdade, prodígio exclusivo de Stan Burns e Mike Marmer, que criaram a série dos detetives Lancelot Link e Mata Hairi apenas com chimpanzés no elenco, nos anos 1970.
O Rei Leão coloca em prática uma tecnologia que já vinha testando em longa-metragens de animação anteriores. Por exemplo, O Bom Dinossauro (2015) mostrava paisagens que pareciam reais, apesar de manterem os personagens em desenho clássico. Da mesma forma, a concorrente Warner Brothers lançou Mogli: Entre Dois Mundos em 2018, mas empregando um live action muito artificial, que inclusive distorcia as formas dos animais personagens.
Tecnicamente, O Rei Leão impressiona, nem parece animação, e sim paisagens e animais reais. Que, no entanto, falam. Aliás, esse é um obstáculo que o espectador não precisava enfrentar em uma animação tradicional. Agora, para embarcar na sua estória, é preciso alcançar um nível mínimo de abstração para aceitar esses animais aparentemente reais como personagens.
Esse requisito essencial deve estar presente no público que aprecia filmes de fantasia, e, sem ele, Yoda representa apenas um boneco de fantoche, e não um Jedi. Quem abre as portas para essa aceitação, em O Rei Leão, é o pássaro Zazu. Estranhamente, parece que estamos mais acostumados com aves falantes do que com mamíferos.
Além disso, a aparência realista também cria o problema de diferenciar os personagens. Se esse obstáculo é superado com os personagens machos, o mesmo não se pode dizer das fêmeas, que são difíceis de distinguir entre elas.
Hamlet
Essencialmente, a estória se assemelha a Hamlet de William Shakespeare. O filme começa com o nascimento de Simba, filho e herdeiro do trono do Rei Leão atual, Mufasa. Porém, Scar não fica nada satisfeito com a chegada de seu sobrinho, já que até então ele era o herdeiro principal. O tio, vilão da estória, assassina Mufasa, e convence Simba a fugir do reino, assumindo o trono e se tornando um tirano. Então, Simba crescerá em terras distantes. Porém, sua amiga de infância o encontrará e o levará de volta para ocupar o trono que lhe pertence de direito.
Por outro lado, o filme possui tons muito distintos. A primeira parte é bem sombria e leva à morte de Mufasa e ao exílio de Simba. O ponto de virada, quando tudo parece perdido, se abre com um tom bem mais leve, com os personagens cômicos Pumba (o javali) e Timão (o suricato).
No final, a ação toma conta no duelo entre a turma de Simba e a de Scar nas eficientes cenas de luta, onde o emprego da câmera lenta surge na contramão das atuais megaproduções de super-heróis. Dessa forma, o público consegue entender cada golpe do embate, provando que a emoção não vem apenas da velocidade dos cortes na ilha de edição.
Música
Adicionalmente, o público que for ao cinema não pode se esquecer que O Rei Leão possui muita música. Afinal, virou musical na Broadway, apesar de nem todas suas composições sejam boas. A melhor canção, sem dúvida, é “The Lion Sleeps Tonight”, que entra no filme com pompa, sendo construída aos poucos, com Pumba e Timão inicialmente cantando sozinhos e outros animais e elementos sendo acrescentados para, enfim, criar uma orquestra “selvagem”. Como era de se esperar, esse é um dos melhores segmentos do filme.
Porém, outro trecho, mais discreto, possui mais charme, e é produzido como um curta metragem dentro do filme. Esse trecho descreve a jornada do chumaço de pelo de Simba, que dele se desprende e percorre um trajeto tortuoso (e divertido) até chegar às mãos do macaco ancião Rafiki, que deduz que o herdeiro ainda está vivo. Um belo exercício da gramática do cinema, sem necessitar de palavras para explicações.
Em suma, a nova versão de O Rei Leão faz uso de uma estória bem construída embalada agora com tecnologia inovadora, uma bem vinda repaginada num clássico da animação.
Ficha técnica
O Rei Leão (The Lion King, 2019)
EUA. 118 min. Dir: Jon Favreau. Rot: Jeff Nathanson. Vozes de Chiwetel Ejofor, John Oliver, James Earl Jones, John Kani, Alfre Woodward, JD McCrary, Shahadi Wright Joseph, Seth Rogen, Donald Glover.
Disney