“O Silêncio do Céu”: Um estupro, dois pontos de vistas em um thriller envolvente
Em “O Silêncio do Céu”, o diretor paulistano Marco Dutra prende o espectador ao alternar o ponto de vista dos protagonistas. Na introdução, Dutra nos coloca na dolorida perspectiva de Diana (Carolina Dieckmann), inclusive com tomadas de câmera subjetiva, quando ela é violentada por dois homens dentro de sua própria casa. O som abafado dos gritos contidos, a total ausência de falas e de trilha sonora evocam a crueza do momento. Por isso, não há nudez nem enquadramentos que possam provocar um condenável erotismo.
O ato é violento, e o silêncio predomina no ambiente onde as paredes e a mobília priorizam a cor azul, representando o céu no interior da casa, assim como no exterior, porque o crime acontece em plena luz do dia. No centro do enquadramento, estreitado ao limite da batente da porta, a vítima se rasteja para se recompor. A primeira coisa que Diana faz é telefonar ao marido. Porém, quebrando as expectativas, não comenta sobre o estupro, nem pede ajuda. Somente solicita que ele pegue as crianças na escola.
A perspectiva do marido
Mario (Leonardo Sbaraglia) retorna à casa com os dois filhos, e sua esposa age como se nada tivesse acontecido. O espectador ainda permanece ao lado da mulher, já que foi cúmplice do que ocorreu com ela. Até que uma longa pausa em cima de Mario, após Diana dizer-lhe boa noite e se deitar, serve como ponte para alterar o ponto de perspectiva da estória. Mario começa, então, a narrar o que presenciou naquela tarde, e o filme mostra novamente o estupro, desta vez pelos olhos do marido, que chegava em casa naquele momento.
Desta vez, podemos ouvir os gritos da vítima e as ordens dos criminosos. Mario não tem coragem de intervir e acaba dando oportunidade para eles fugirem. Sai atrás deles na rua, mas os perde de vista. Seu celular toca e ouvimos novamente Diana pedindo para ele buscar as crianças.
O thriller
A partir daí, o filme acompanha Mario buscando as pistas para encontrar os violentadores e o motivo do silêncio de Diana. O quebra-cabeças transforma a história em um thriller, colocando o herói em situação de risco junto à enigmática família da dona da casa de plantas. Ao mesmo tempo, a sua paranoia pode transformá-lo em um homem perigoso. Perto do final, Diana assume a narração, e sob seu ponto de vista, acompanhamos o desfecho fatal de “O Silêncio do Céu”.
Marco Dutra acerta ao colocar uma figura misteriosa na trama, a mãe de Nestor e André e proprietária do viveiro de plantas. É de lá que veem os espinhos presentes no jardim da casa de Diana. Em uma cena emblemática, a porta de vidro que separa o interior da casa e o jardim se fecha, deixando para fora o cacto da espécie rabo de macaco. Mario, anteriormente, machuca sua mão em um cacto. Ou seja, a planta cheia de espinhos é André, que entrou na vida de Diana e provocou dores em Mario.
O clima de suspense poderia ser melhor aproveitado com uma trilha sonora mais marcante acompanhando as investigações de Mario. Um Bernard Herrmann ou um Pino Donaggio cairiam muito bem nessas sequências. Talvez seja opção de Marco Dutra não carregar demais o thriller desses momentos. De qualquer forma, o epilogo parece apressado demais, não evidencia se Mario sabe que Diana fora testemunha de suas ações, que é um fato essencial mesmo se a escolha foi manter um final aberto.
Apesar desses detalhes, “O Silêncio do Céu” prende a atenção, até mesmo pela incomum locação de um filme brasileiro em Montevidéu e parcialmente falado em espanhol. Em suma, temos um outro thriller envolvente do recente cinema brasileiro, assim como “O Lobo Atrás da Porta”.
Ficha técnica:
O Silêncio do Céu (2016) 102 min. Dir: Marco Dutra. Rot: Sergio Bizzio, Caetano Gotardo, Lucía Puenzo. Com Leonardo Sbaraglia, Carolina Dieckmann, Chino Darín, Alvaro Armand Ugon, Mirella Pascual, Roberto Suárez, Paula Cohen. Dylan Cortes, Priscila Bellora, Gabriela Freire, María Mendive, Walter Rey, Susana Groisman, Marco Dutra.
Assista: entrevista com Caroline Dieckmann sobre “O Silêncio do Céu”
