Em 1985, um traficante tenta escapar com uma enorme carga de cocaína saltando de paraquedas. Quando o aparato falha em abrir, provavelmente por causa do excesso de peso, o traficante se espatifa no chão e a enorme quantidade de cocaína se espalha por um parque estadual no Tennessee. Um urso preto que habita a floresta encontra os sacos da droga e come tudo que pode. Ele morre de ataque cardíaco e hemorragia cerebral.
Sentindo que essa história real era curiosa o suficiente para um filme, Elizabeth Banks misteriosamente teve sinal verde e algum dinheiro à sua disposição, por mais bizarro que possa parecer a escolha.
Saiu-se com O Urso do Pó Branco, tradução mequetrefe para Cocaine Bear que a filial brasileira empurra para o público. Espertamente, resolveu mudar o final, além de construir toda uma outra história em cima da queda da droga. No lugar de falecer, o urso se torna viciado em cocaína. Mais do que isso, a droga o transforma em uma espécie de super urso. Subversão pura em Hollywood, num filme trash de luxo filmado na Irlanda.
Busca dupla
O filme de Banks tem sangue e membros decepados. Sob o efeito da droga, o urso estraçalha várias pessoas. Poderia ter feito o mesmo com as duas crianças que vemos, uma delas, Dee Dee, vivida pela adorável Brooklynn Prince, a garotinha do também adorável Projeto Florida (The Florida Project, 2017), de Sean Baker. Agora pré-adolescente de doze anos, Prince já tem a direção de um curta no currículo, finalizado em 2019, quando ela tinha apenas nove anos.
Misteriosamente, o urso poupa essas crianças. A menina é levada para uma caverna, talvez para servir de banquete para os ursinhos filhotes que lá se encontram. O menino, amigo de Dee Dee, consegue escapar da fúria do animal e subir numa árvore. Quando o urso resolve subir também, sente o cheiro da cocaína na roupa do homem que subiu na árvore do lado. Basta trocar de árvore e fazer a festa.
Uma enfermeira, Sari (Keri Russell), mãe de Dee Dee, parte em sua busca, disposta a encontrá-la mesmo que tenha de enfrentar o urso. Quando descobrimos, no meio do filme, que o urso é na realidade uma ursa, sua situação se emparelha com a da mãe. A ursa se entope de cocaína, mas quando necessário saberá defender suas crias.
Traficantes a mando de Ray Liotta (falecido logo após as filmagens, em maio de 2022) vão atrás da droga, mesmo sabendo que o urso está alucinado. Está dada a dupla busca que vai movimentar a trama.
Animais alucinados
Não é difícil lembrar de Samuel L. Jackson, num avião cheio de serpentes que tomaram droga, falando: “essa é boa: serpentes drogadas” (“that’s good news: snakes on crack”), em Serpentes a Bordo (Snakes on a Plane, 2006), de David R. Ellis.
Nos dois filmes estamos diante de uma ideia alucinada que recebe um tratamento à altura do que o material pede, sem medo de exagero ou de rejeição do público. Embarca na loucura quem quer, e devo dizer que para quem não embarcar o filme parecerá logo um suplício de ver.
Ambos são dirigidos de modo funcional no que diz respeito à encenação, sem grandes truques de estilo, mas com a sabedoria de permitir que o urso (ou as serpentes) faça o estrago que tenha de fazer para que o filme seja minimamente assustador sem deixar de ser, em primeiro lugar, engraçado. E os atores e atrizes em volta dessa situação inusitada devem ser bem dirigidos.
Quem havia visto o trabalho de Elizabeth Banks na direção de A Escolha Perfeita 2 (Pitch Perfect 2, 2015) sabe que ela não se furta em arriscar bastante no tom, chegando ao nível da vulgaridade para conseguir algumas cenas inusitadas. Ali não deu certo, mas em O Urso do Pó Branco garante no mínimo uma boa diversão.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
O Urso do Pó Branco | Cocaine Bear | 2023 | EUA | 95 min | Direção: Elizabeth Banks | Roteiro: Jimmy Warden | Elenco: Keri Russell, Margo Martindale, Ray Liotta, Alden Ehrenreich, O’Shea Jackson Jr., Jesse Tyler Ferguson, Kristofer Hivju, Kahyun Kim, Christian Convery, Brooklynn Prince, Scott Seiss.
Distribuição: Universal Pictures.
