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Onoda - 10 Mil Noites na Selva
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Onoda – 10 Mil Noites na Selva | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
8/10

8/10

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Crítica | Ficha técnica

A história real de Hiroo Onoda é razoavelmente conhecida. Após a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, ele continua guerreando e suspeitando de todos os sinais de que a guerra havia acabado. Permanece em uma ilha das Filipinas, ponto crucial da batalha pelo Pacífico e da ideia de Grande Império Asiático, e passa a lutar sua guerra particular, num misto de orgulho ferido com obstinação cega. É a história desse soldado japonês que conta o filme Onoda – 10 Mil Noites na Selva (Onoda, 10.000 Nuits dans la Jungle, 2021). 10 mil noites equivalem a mais de 27 anos. Como isso seria possível? E como tratar disso num filme?

Felizmente, Arthur Harari, diretor francês (casado com a diretora Justine Triet), adota um caminho bem digno. Evitando ao máximo as armadilhas do drama histórico edificante e também as do cinema de arte, Harari procura o tom certo entre o humor causado pela inusitada obsessão e a investigação sobre a personalidade complexa de Onoda.

Ponto de vista

Pode um diretor francês dirigir uma história tão japonesa? Por que não? Em 1985, o americano Paul Schrader realizou o belo Mishima – Uma Vida em Quatro Capítulos (Mishima: A Life in Four Chapters, 1985), um longa americano, mas todo falado em japonês, com atores e atrizes japonesas. Em 2006, Clint Eastwood realizou o formidável díptico sobre a Guerra do Pacífico, um com o ponto de vista dos americanos – A Conquista da Honra (Flags of Our Fathers) – outro com o ponto de vista dos japoneses – Cartas de Iwo Jima (Letters From Iwo Jima).

Cinema é basicamente ponto de vista. Na prática cinematográfica, quem realiza os filmes adere ao ponto de vista de quem os protagoniza. É um exercício em alteridade, uma maneira de sentir e ver como o outro, de entender o outro. Nem sempre a pessoa que vive as situações é a mais apta para transformá-las em arte. Por vezes, o olhar interessado de fora é revelador, faz pensar.

Harari se enquadra nessa qualidade, e entende Onoda como alguém que desejava tanto uma fuga de sua realidade que inventa, inconscientemente até certo ponto, um prolongamento para a guerra no qual ele pode ser um herói. Dentro dessa guerra particular, ele conta com a ajuda de um outro soldado sobrevivente, Kinshichi, seu fiel escudeiro, uma espécie de Sancho Pança que ajuda Onoda a prosseguir no delírio.

É especialmente forte toda a sequência em que outros japoneses, incluindo o pai de Onoda, tentam avisá-los de que a guerra acabou há anos, mas Onoda e Kinshichi interpretam as revistas, jornais e programas de rádios gravados como artimanhas do inimigo para enganá-los.

Um estudo sobre a reclusão

Em 27 anos, esses dois homens deixam a juventude e atingem a meia idade, sempre longe do mundo urbano, da civilização. Difícil mesmo entender como uma escolha totalmente inconsciente da parte deles. O mundo na selva das Filipinas lhes parece melhor porque pode ser controlado pela força e pela disciplina, ao menos nos raros momentos de contato com outros humanos. Quando o transe acaba (o espectador logo é avisado de que acabará), resta ao protagonista entender o que perdeu e o que ganhou nesse longo processo.

Onoda, o personagem, é o elogio da obsessão. Onoda, o filme, é um estudo sobre a reclusão, com uma atuação magnífica de Kanji Tsuda, que interpreta o envelhecido Onoda. Em seus quarenta minutos finais, o filme se revela ainda um belo ensaio sobre a comunicabilidade e o entendimento de uma nova realidade que se impõe. É quando ele cresce e faz todo o sentido.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.


Onoda - 10 Mil Noites na Selva
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