O filme Os Colonos distingue-se por ser um faroeste latino, situado na Terra do Fogo, em 1901. Além disso, é um western revisionista, que explicita a violência desumana dos brancos contra os nativos.
A brutalidade, em todas as formas, faz parte do cotidiano dos colonos. Logo no início, o Tenente MacLennan (Mark Stanley) sacrifica um de seus empregados porque ele acaba de perder o braço em um acidente. Se ele não pode trabalhar, é inútil nesse lugar, justifica o ex-militar que agora trabalha para o proprietário de terras José Menéndez (Alfredo Castro). Satisfeito com o seu contratado, esse dono de uma imensa área passa uma nova missão para o tenente. Auxiliado por um pistoleiro da América do Norte, Bill (Benjamin Westfall), e pelo mestiço Segundo (Camilo Arancibia), MacLennan deve eliminar os índios das terras de Menéndez. “Limpar a terra”, nas palavras do latifundiário.
O grupo parte, então, pelos campos vazios na imensidão da natureza selvagem. A fotografia caprichada embeleza o cenário, em especial nas cenas internas e nas externas filmadas no crepúsculo. Mas a beleza se restringe apenas à paisagem.
Dois encontros
Os três encontram dois outros grupos de homens brancos.
O primeiro, no início da jornada, em terras argentinas, é amigável, mas marcado por disputas machistas para medir forças. Aparentemente, um homem mais velho, um geólogo contratado para delimitar a divisa entre a Argentina e o Chile, é o único civilizado por ali. Mas a cena termina com esse senhor indo dormir em sua cabana levando um menino nativo capturado. O filme não explicita, mas deixa subentendido a hipocrisia: o suposto civilizado se aproveita do nativo menor de idade.
O outro encontro, perto do final do segundo ato, tem um tom bem sinistro. MacLennan encontra um renomado coronel britânico, que enlouqueceu nesse fim de mundo. Ele também alivia sua dor no sexo (surpresa que não revelaremos aqui), mas a violência é sua principal ferramenta. Quando ele revela o comportamento insano, chega a lembrar outro coronel em terras distantes, o Walter E. Kurtz, personagem de Marlon Brando em Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola. São duas figuras de pesadelo.
No entanto, Os Colonos apresenta outro momento mais impactante, que não deixa dúvidas sobre a brutalidade dos pioneiros brancos durante a conquista das terras selvagens. O mestiço Segundo, que não abraça essa conduta como os seus companheiros de viagem, serve de testemunha dos horrores. O grupo encontra uma família pacata de nativos na mata, e MacLennan e Bill matam todos sem piedade. Segundo, assustado, apenas finge que atira, mas não ousa impedir a chacina. A trilha sonora parece filme de terror, e é apropriada porque logo depois eles enfileiram os corpos ensanguentados e cortam suas orelhas, que servirão de prova de que o serviço foi bem executado. A violência parece não ter fim, principalmente para a mulher nativa que, semimorta, é estuprada.
A História oficial
Talvez para evitar o sensacionalismo, essa é a única cena de barbárie contra os índios que Os Colonos mostra. Contudo, isso não quer dizer que o filme ignora a perspectiva mais ampla de que aconteceu um terrível genocídio. Na parte final, os diálogos evidenciam o que se passou de fato. A versão oficial, que alega que a população indígena morreu por causa das doenças que os brancos trouxeram, é expressamente descartada por um oficial da capital que visita José Menéndez, sete anos depois dos últimos eventos envolvendo o grupo que ele contratou. Depois, Segundo conta para ele outra matança coletiva na qual ele participou, uma emboscada impiedosa.
Porém, o filme não pode mudar a história, e esta não era a intenção do oficial do governo. Assim, o longa se encerra com uma fotografia encenada com Segundo e sua esposa (ex-escrava daquele coronel louco) tomando chá, como se estivessem adaptados à cultura europeia. Detalhe: a mulher nativa não obedece às instruções do oficial branco. Por fim, durante os créditos de enceramento, imagens de arquivo reforçam a ideia do progresso que a colonização latina permite, mas somente para os brancos. Os índios não estão presentes nessas imagens, e nem nas terras, como desejava o Sr. Menéndez.
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Ficha técnica:
Os Colonos | Los Colonos | 2023 | 97 min | Chile, Argentina, Reino Unido, Taiwan, Alemanha, Suécia, França, Dinamarca| Direção: Felipe Gálvez Haberle | Roteiro: Antonia Girardi, Felipe Gálvez Haberle, Mariano Llinás | Elenco: Mark Stanley, Camilo Arancibia, Benjamin Westfall, Sam Spruell, Alfredo Castro, Mariano Llinás, Marcelo Alonso, Luis Machín, Emily Orueta.
Distribuição: O2 Play / MUBI.
Assista ao trailer aqui.