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Pacifiction (filme)
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Pacifiction | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
4.5/10

4.5/10

Crítica | Ficha técnica

Não tenho aversão a obras calculadas, como alguns críticos parecem ter, a não ser quando o cálculo parece sufocar o que o filme tem de inquietação ou investigação do que quer que seja. Um artista parte de uma indagação sobre o estar no mundo, ou de uma estupefação com a consciência de ocupar um lugar específico no mundo. Se não se parte disso, ou principalmente disso, todo o cálculo aparece e predomina no filme, tornando-o excessivamente fabricado, chegando até a ser falso.

É o caso, para mim, do cinema de Albert Serra, uma espécie de Ruben Ostlund que foi adotado por críticos que detestam o cinema de Ruben Ostlund. Uma exceção, no caso de Serra: A Morte de Luís XIV (2016), talvez porque a presença de Jean-Pierre Léaud implique numa espontaneidade que atrai forças inesperadas. O ator tem o magnetismo pessoal de alguém que já fez tanta coisa importante no cinema – Truffaut, Godard, Pasolini, Eustache – que provoca um brilho diferente, mais duradouro porque mais verdadeiro.

O Canto dos Pássaros (2008) talvez seja o filme de Serra que melhor explicita o cálculo acima de qualquer outra coisa. Cálculo com tempo, enquadramento e direção de elenco típica de quem espera angariar apoio automático de parte da crítica, sem que uma verdadeira inquietação seja perceptível aos meus olhos (sim, é totalmente subjetivo, mas estou ciente de que tenho o desafio de objetivar essa impressão).

Serra detesta o cinema

Penso saber separar as coisas e entender o que me agrada e o que não me agrada na forma de um filme, a despeito das declarações sofríveis que esse diretor sempre dá em entrevistas (declarar, por exemplo, que não gosta de trabalhar com atores e por isso prefere amadores e no filme seguinte escalar Jean-Pierre Léaud como protagonista, ou se vangloriar de ter enganado seus diretores de fotografia dizendo que o formato seria 4:3 e depois fazendo o filme em scope). A partir desse entendimento, tentar explicar por que um filme me agradou ou não. Saber separar criador e criação é o básico da atividade crítica. Com mais de vinte anos dessa atividade e mais de trinta de cinefilia apaixonada, imagino que eu já tenha vencido essa prova.

No entanto, ainda não consigo explicar tudo que me desagrada normalmente nos filmes de Albert Serra. Num texto para a Folha de S.Paulo, na época da estreia de seu História de Minha Morte (2013), sobre o conquistador de mulheres Giacomo Casanova, escrevi que a trama se arrastava insuportavelmente “com diálogos fracos, situações patéticas e encenação quase sempre preguiçosa”.

No texto sobre A Morte de Luís XIV, também para a Folha, expliquei um pouco melhor meu julgamento de seus filmes anteriores: “Seus trabalhos normalmente abusam de uma lentidão artificial, numa radicalização trôpega do estilo de Andrei Tarkóvski e Sharunas Bartas, preguiçosamente burilada para impressionar plateias de festivais internacionais”. Por mais que sejam adjetivos reducionistas para uma obra de arte, noto que as mesmas descrições podem ser aplicadas para Pacifiction. Novamente fico com a impressão de que Serra detesta o cinema, mas adora a badalação que o cerca. Adora, sobretudo, a si próprio, sem dúvidas, sem o menor traço de insegurança.

Sobre “Pacifiction”

O que temos no filme? O apoio de dois bons atores, Benoit Magimel e Sergi López. Um hotel no Taiti, onde um hóspede português tem seu passaporte roubado. Um alto-comissário francês, De Roller (Magimel), espécie ensaboada que se mistura aos ambientes e faz política em todos os círculos, parece ou tenta controlar a tudo e a todos. Boatos fortes de que a França pretende retomar testes nucleares no local. Pahoa Mahagafanau, uma atriz trans que, segundo o próprio Serra, mudou de personagem no meio do filme porque era muito boa (e realmente é das melhores coisas do filme). Um diálogo de medição de forças entre o alto-comissário e alguns dos poderosos locais que querem ação imediata contra a ameaça nuclear. E Morton (López), dono de uma casa noturna sui generis. É mais do que encontramos normalmente no cinema de Serra, convenhamos.

O diretor catalão parece satisfeito em fazer um filme que se apresenta com algum diferencial. A interpretação dos atores e atrizes, como se estivessem em algum limbo entre a dramaturgia mais convencional e um reality show, causa estranheza no começo, mas depois de meia hora começa a cansar, assim como a maneira como Serra faz progredir a narrativa, sem altos e baixos dramáticos, o que poderia ser bom, mas com uma dose meio artificial de um tom sorumbático. Que dirá nas 2 horas e 45 minutos do filme?

A mise en scène de Serra não tem nada de especial, mas dá pinta de que terá e quando tenta, cai na afetação. O que também é subjetivo, pois o que pode ser afetação para mim, pode não ser para outro crítico. Por mais que eu bombardeie a ideia, continuo vendo mais afetação que qualquer outra coisa. Certamente, o cinema desse diretor não é para mim.

Justificativa para continuar vendo

Como sempre em seu cinema, há espaço para a abjeção. Cito como exemplo um plano de uns dez segundos de uma mulher magra sentindo claro desprazer ao ser acariciada por um homem com obesidade mórbida, enquanto está em seu colo. Mais alguns planos e a imagem desses dois retorna, agora vistos mais de perto, com a mulher tendo ou fingindo prazer e o homem a asfixiando levemente. Creio não haver necessidade de explicação, mas é verdade que essa abjeção de colocar a mulher nua servindo às taras de um homem muito gordo aparece eventualmente em filmes bons, e aqui está num momento isolado, que não prejudicaria muito o filme se tudo estivesse às maravilhas.

Não é o caso. Vemos o filme o tempo todo à procura de uma justificativa para continuarmos vendo (a minha era escrever este texto, além de um certo prazer em ver filmes ruins). Para cada momento interessante tem uns dois que parecem postiços, calculados em excesso para agradar os críticos que sempre elogiam os filmes do diretor. Nesse momento do homem obeso com a prostituta, lembrei mais uma vez, como em outros filmes de Serra, do cinema de Ulrich Seidl. Os dois planos são feios, mal filmados e desnecessários à trama, a não ser para mostrar a coisa mais óbvia do mundo: a prostituição como forma de dar prazer a homens que não o conseguiriam de outra forma. O olhar ainda me pareceu superior, de julgamento, no que posso estar enganado, obviamente, mas não tenho como pensar diferente no momento.

Poesia calculada

A meia hora final é um festival de poesia calculada que parece, nos momentos menos ruins, um sub-Adirley Queirós, e nos piores, algo como o filme menos inspirado de Gabriel Mascaro. Se Pacifiction estava na corda bamba até aí, ele resolve desistir de atravessar e se joga no abismo sem rede. Por vezes esse gesto é belo. Aqui, é só pose.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Pacifiction | Pacifiction – Tourment sur les îles | 2022 | Espanha, França, Alemanha, Portugal | 162 min | Direção: Albert Serra | Roteiro: Albert Serra, Baptiste Pinteaux | Elenco: Benoît Magimel, Sergi López, Pahoa Mahagafanau, Cécile Guilbert, Matahi Pambrun, Montse Triola.

Distribuição: Fênix Filmes.

Quer ler mais sobre Albert Serra? Então, acesse a crítica de Liberté.

Trailer:
Pacifiction
Onde assistir:
Pacifiction (filme)
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