“Pais e Filhos”: Como se tornar um verdadeiro pai
“Pais e Filhos” venceu o prêmio do júri em Cannes e do público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ambos em 2013, além de outras premiações mundo afora. Seu sucesso se justifica pelo eficiente emprego da fórmula dos melodramas dos anos 1950 – metier do diretor Douglas Sirk – que uniam tragédia familiar com uma profunda crítica social. E pelo talento sutil do diretor japonês Hirokazu Koreeda, presente também no posterior Nossa Irmã Mais Nova (2015).
A trama
A tragédia da história de “Pais e Filhos” consegue ser original e muito tocante. Ela força o espectador a se colocar na posição do protagonista Ryota, um arquiteto que possui um cargo alto em uma grande empresa, uma esposa e um filho de seis anos. Após um dia de trabalho, sua mulher, Midori, lhe conta que os convocaram para uma reunião no hospital onde o filho, Keita, nasceu.
Lá, recebem a chocante notícia que trocaram seu filho quando ele nasceu. Portanto, eles estão criando a criança de outra pessoa, e outro casal vive com seu filho de verdade. Seguindo a recomendação dos administradores do hospital, eles deverão conhecer a outra família e passar por uma fase de adaptação até, finalmente, desfazerem a troca.
A família que recebeu o filho verdadeiro de Ryota e Midori pertence a uma classe social mais baixa. Possui como renda uma pequena loja de produtos eletrônicos, e conta com mais dois filhos. Ryota dá muita importância para essa diferença de condições econômicas, e chega até a propor aos outros pais que fique com os dois filhos, mas, eles encaram isso como ofensa.
Crítica social
À medida que o processo de adaptação avança, Keita se afeiçoa cada vez mais ao novo e verdadeiro pai, enquanto Ryota não consegue se aproximar de seu descendente. Surge aí a grande crítica de “Pais e Filhos”, atingindo os homens que são pais e que se dedicam tanto ao trabalho que se afastam do contato direto com os filhos. O materialismo deles está à frente de outros valores e ser bem-sucedido importa mais que tudo. Por isso, Keita despreza a outra família, cujo patriarca não conquistou sucesso profissional. Pelo mesmo motivo, Ryota se frustra com a falta de empenho de Keita em suas aulas de piano.
Porém, esse comportamento o afasta de seus filhos, tanto o de criação como o de sangue. Por isso, Ryusei, seu filho verdadeiro, chega a fugir sozinho de casa para retornar ao lar anterior. Da mesma forma, Keita não quer mais saber desse pai que o criou, preferindo o pai de sangue que brinca e se diverte junto com ele. A crítica é muito válida ainda hoje na sociedade japonesa, que valoriza demais o sucesso profissional e material. O título original é fiel a essa crítica (podendo ser traduzido como “assim você se torna pai”).
Direção
Hirokazu Koreeda impõe ao filme, principalmente em seus primeiros dois terços, um ritmo singular, como se procurasse atrasar o tempo para evitar que a separação imposta venha a se concretizar. Na história, o processo de transição se prolonga o quanto possível. Koreeda consegue esse efeito ao frequentemente utilizar tomadas que se iniciam com o quadro estático. Então, coloca, ao final da ação, um lento deslocamento lateral da câmera, de apenas alguns segundos, cortando para outra cena. Dessa forma, esse leve deslocamento, iniciado porém interrompido, simula esse desejo dos personagens de tentar impedir que o tempo se passe. Ou seja, para que a separação do filho criado durante seis anos, e por quem a afeição já se tornou forte demais, nunca chegue.
Ficha técnica:
Pais e Filhos (Soshite chichi ni naru, 2013) 121 min. Dir/Rot: Hirokazu Koreeda. Com Masaharu Fukuyama, Machiko Ono, Yoko Maki, Lily Franky, Jun Fubuki, Keita Ninomiya, Shogen Hwang, Arata Iura, Kirin Kiki, Jun Kunimura, Megumi Morisaki, Yuri Nakamura, Isao Natsuyagi.
Assunto: entrevista do diretor e elenco de “Pais e Filhos” em Cannes