“Passageiros” erra no tom e desperdiça um bom argumento e a produção caríssima
O diretor Morten Tyldum demonstra dificuldade em decidir assertivamente. Em seu trabalho anterior, “O Jogo da Imitação” (2014), ele ficou em cima do muro entre focar no duro processo da criação da máquina que quebrava os códigos secretos dos nazistas e o drama que o protagonista enfrenta por ser gay. Dessa forma, perdeu a oportunidade de criar um ótimo filme de espionagem ou um ótimo drama pessoal. Da mesma forma, falha equivalente ele comete em “Passageiros”, quando não decide entre o drama e a comédia romântica.
Drama
Em sua primeira parte, “Passageiros” sinaliza ser um drama na linha de “Perdido em Marte” (2015), sobre a solidão de uma pessoa no espaço. Os títulos informativos seguem o padrão de filmes de ficção científica. Assim, cita o nome da nave (Avalon), sua missão (levar todos para a colônia Homestead II), a quantidade de tripulantes (258) e de passageiros (5.000). Estes todos estão hibernando até chegarem perto da colônia onde passarão a viver suas novas vidas, deixando para trás uma superpopulosa Terra.
Mas, devido a um defeito causado por uma tempestade de meteoros, Jim Preston (Chris Pratt) acorda da hibernação precocemente, 90 anos antes do momento programado. Ou seja, ele está sozinho na imensa nave, e provavelmente morrerá antes de chegar a Homestead II. Esse drama do solitário passageiro é levado para as telas em alguns momentos, no entanto, poderiam ter sido mais aprofundados. Aliás, seu grande erro é desistir de ir fundo na angústia de Jim Preston. Ao invés disso, muda seu foco cedo demais para fazer graça com o personagem aproveitando ao máximo as conveniências da nave, luxuosa como um navio de cruzeiro.
Comédia
O erro de Morten Tyldum talvez tenha sido cair na tentação de aproveitar a veia cômica natural do ator Chris Pratt, bem explorada na aventura “Guardiões da Galáxia” (2014) e sua sequência. A influência do ator no clima leve do filme é evidente e pode ser comprovado quando Jennifer Lawrence interpreta o momento em que sua personagem descobre que também acordou prematuramente. Repare como a carga de drama que ela consegue transmitir é drasticamente superior ao que Chris Pratt deixou registrado. Adicionalmente, compare os momentos análogos de cada um desses personagens tentando arrombar a porta para acessar a área reservada à tripulação e confirme a diferença.
Os dois personagens passam a conviver muito, e acabam se apaixonando. Porém, o que atrapalha o relacionamento é o fato de Aurora (Jennifer Lawrence) ter sido despertada propositalmente por Jim Preston, porque este não queria viver sozinho na nave. Com isso, ele arruina os planos dela de viver no novo planeta. Há muito da fórmula do gênero romance no filme, inclusive o momento “boy meets girl”, quando o casal vai a um jantar de gala. Nessa cena, fica evidente o status de estrela de Jennifer Lawrence. Afinal, ela tem uma típica entrada triunfal, surgindo deslumbrante com vestido chique após uma espera ansiosa criada pela mise-en-scène.
A produção é nota dez, o cenário criado para ambientar o interior da nave é impecável, e os efeitos visuais também não ficam para trás, principalmente nas cenas externas no espaço. Enfim, tivesse o diretor Morten Tyldum optado por focar no drama da solidão criada pela situação da estória, e não no romance, “Passageiros” seria um ótimo filme. Porém, do jeito que foi filmado, não é.
Ficha técnica:
Passageiros (Passengers, 2016) EUA, 116 min. Dir: Morten Tyldum. Rot: Jon Spaihts. Elenco: Jennifer Lawrence, Chris Pratt, Michael Sheen, Laurence Fishburne, Andy Garcia, Vince Foster, Kara Flowers, Conor Brophy, Julee Cerda, Aurora Perrineau, Lauren Farmer, Kristin Brock.
Assista: entrevista de Morten Tyldum sobre “Passageiros”