A ideia geral de Passei Por Aqui (I Came By) é provocadora. Uma dupla de pichadores ganha as manchetes pela ousadia de invadir imóveis de pessoas ricas para grafitar a frase “I Came By” (tradução: passei por aqui) numa das paredes. Eles protestam contra os privilégios dos poderosos. O ato ganha um paralelo na trama que movimenta a narrativa, pois um ex-juiz com altos contatos comete crimes que nunca são devidamente investigados. É interessante porque relaciona o crime concreto com os abusos que são os alvos dos protestos dos personagens ativistas.
O diretor iraniano Babak Anvari chamou a atenção com seus dois primeiros filmes, À Sombra do Medo (Under the Shadow, 2016) e Contato Visceral (Wounds, 2019). Mas ambos estavam dentro do gênero terror, e aqui ele derrapa ao arriscar um suspense policial. O problema principal está no roteiro, que Anvari escreveu junto com Namsi Khan, pois a trama está repleta de furos.
Antes de falarmos sobre eles, devemos apontar o mérito da construção de um vilão odioso. Hector Blake (Hugh Bonneville) é um cidadão acima de qualquer suspeita. Ex-juiz aposentado, ele possui conexões diretas com pessoas do alto escalão, desde o chefe de polícia até o primeiro-ministro inglês. Porém, ele esconde um segredo sinistro, logo revelado ainda na primeira parte, e a aversão por esse ser cresce cada vez mais porque ninguém consegue incriminá-lo. E ele é um serial killer, que acumula mais vítimas conforme o desenrolar da trama, inclusive quebrando a expectativa ao incluir entre elas personagens importantes. Além disso, Hector possui uma arrogância enervante. Só não revelaremos aqui suas sinistras motivações, que, embora não sejam originais, sustentam o ódio que acarretou sua psicopatia.
Problemas por aqui
Agora, vamos abordar os problemas do filme. Em primeiro lugar, a linha de tempo é confusa. Embora a narrativa seja linear, ela falha ao não explicar coerentemente quantos dias (ou meses) se passam até o grafiteiro Toby (George MacKay) invadir a casa do juiz após seu amigo de infância (e de delitos) Jameel (Percelle Ascott) conseguir a senha do wi-fi do local. A princípio, seriam apenas alguns dias, mas a gravidez da namorada de Jameel transcorre num tempo maior. Mas, isso ainda podemos relevar.
O que incomoda mesmo são questões importantes cujo esclarecimento o filme não endereça. Por exemplo, onde estava o cativo quando a polícia fez a segunda vistoria na casa? A detetive até entra no cativeiro, mas ele está totalmente limpo. Além disso, não entendemos por que Hector ataca o jovem massagista. Seria racismo? E ele queria matá-lo ou aprisioná-lo? Ademais, ele levou o rapaz ao cativeiro mesmo com o cativo original lá dentro? Por fim, como Jameel tinha certeza de que o juiz era o culpado? Todas essas, e talvez outras mais que o espectador encontre, são essenciais e necessitariam de uma elucidação.
Além disso, se há um vilão poderoso, falta um adversário à altura. Os seus opositores se alternam, e todos falham. E quem acaba vencendo-o não é propriamente um protagonista. Não há problema em inovar nesse sentido, mas o ruim é que isso resulta em menos emoção. Afinal, estamos acostumados a torcer a favor do herói, e não apenas contra o vilão, como acontece nesse caso.
Se não fosse por tantos furos importantes, Passei Por Aqui poderia ser um bom filme. Afinal, pelo menos na construção de climas sinistros, o diretor Babak Anvari é muito competente.
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Ficha técnica:
Passei Por Aqui | I Came By | 2022 | 1h50 | Reino Unido | Direção: Babak Anvari | Roteiro: Babak Anvari, Namsi Khan | Elenco: Hugh Bonneville, George MacKay, Kelly Macdonald, Percelle Ascott, Varada Sethu, Antonio Aakeel, Franc Ashman, Andrea Gould.
Distribuição: Netflix.