Pelle, o Conquistador (1987) revelou o diretor dinamarquês Bille August para o mundo. O Oscar de melhor filme em língua estrangeira e a Palma de Ouro em Cannes catapultaram o filme e o cineasta para o grande público. August venceria novamente em Cannes, por As Melhores Intenções (Den goda viljan, 1992), seu filme seguinte. Mas, foi o ápice de sua carreira. Continuou a fazer bons filmes, porém, a esperança do surgimento de um novo gênio do cinema se esmaeceu.
Baseado no livro de Martin Andersen Nexø, Pelle, o Conquistador relata a dura infância do menino Pelle quando ele e seu já idoso pai imigram da Suécia para a Dinamarca, em busca de melhores condições de vida. No entanto, eles só encontram trabalho numa fazenda, onde se sujeitam a condições similares à escravidão. Além disso, Pelle enfrenta o bullying, o preconceito por ser estrangeiro e testemunha várias tragédias. “Quero se um homem livre”, afirma um dos camponeses, o mais revoltado de todos, cujo sonho de ir para a América é fatidicamente interrompido. Por sinal, ao protagonista Pelle só lhe resta o sonho americano, e ele parte sozinho nesse rumo, num desfecho junto ao mar que parece recriar o final de Os Incompreendidos (Les quatre cents coups, 1959), de François Truffaut.
Como mudar de vida?
Nesse amargo filme de Bille August, os sonhos não resistem à cruel realidade. Emblematicamente, todas as tentativas de mudar a situação dão errado. O trabalhador inconformado quase lidera uma pequena revolução na fazenda, contra o capataz sádico, mas um golpe de azar o transforma num ser vegetativo. A bela camponesa que flerta com o filho de um comerciante tem a ilusão de se casar com ele, mas uma gravidez indesejada acaba em tragédia. Da mesma forma, o pai de Pele (interpretado por Max von Sydow), tenta arranjar uma mulher que cuide dele e de seu filho. Contudo, quando a encontra e tudo parece encaminhado, o marido desaparecido dela retorna. A única personagem que consegue melhorar sua situação é a esposa do fazendeiro. Vítima de abusos, ela faz uso da violência para literalmente castrar o seu marido.
A trama indica que ficar significa continuar nessa vida miserável e sem perspectivas. Por isso, esse épico poderia ser o capítulo anterior de filmes sobre imigrantes europeus da virada do século anterior. Nesse sentido, seria a origem dos pais dos meninos de Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, 1984), de Sergio Leone, mas numa versão escandinava. Pelle, o Conquistador evidencia a motivação dos imigrantes que preferiram arriscar suas vidas na ainda selvagem América. Era permanecer na miséria, sob julgo dos senhores feudais da época, ou tentar a sorte.
Nostalgia amarga
Bille August mostra uma infância triste, é uma nostalgia amarga, oposta àquelas memórias saudosas de Cinema Paradiso (1988), lançado no ano seguinte. Aqui, a ingenuidade paga seu preço, como acontece com a jovem sobrinha do fazendeiro. Da mesma forma, também, com Pelle, quando ele percebe que, por uma moeda, é capaz de açoitar o seu amigo com deficiências mentais. De fato, se há, pelo menos, um alívio emocional em meio a este ambiente pesado, ele se encontra na cena em que Pelle dança com esse mesmo amigo, Rud, numa feira de diversões. Esse raro momento representa uma rara oportunidade de serem crianças.
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Ficha técnica:
Pelle, o Conquistador | Pelle erobreren | 1987 | Dinamarca, Suécia | 157 min | Direção: Bille August | Roteiro: Bille August, Per Olov Enquist, Bjarne Reuter | Elenco: Pelle Hvenegaard, Max von Sydow, Erik Paaske, Björn Granath, Astrid Villaume, Axel Strøbye, Troels Asmussen, Kristina Törnqvist, Karen Wegener, Sofie Gråbøl, Lars Simonsen.