Para quem acompanhou a premiação do Golden Globes de 2016, um alerta: “Perdido em Marte” ganhou como melhor comédia ou musical, mas o filme está longe de pertencer a qualquer um desses gêneros. Seu clima é surpreendentemente alto-astral, apesar da trama beirando a tragédia, porém, não justifica ser classificado como comédia. Por outro lado, a sua trilha sonora inclui hits da música disco dos anos 70, adicionando leveza ao tom de “Perdido em Marte”. Contudo, nem é preciso comentar que o filme não é um musical. Aliás, para quem assiste ao filme esperando uma comédia, há um grande risco de se assustar com a cena em que Mark Watney (Matt Damon) precisa cuidar de seu grave ferimento.
O ponto forte de “Perdido em Marte” é sua história, extraída do livro escrito por Andy Weir. O relato sólido conta a missão quase impossível de resgatar o astronauta Mark Watney que foi abandonado em Marte, supostamente morto. Sozinho, sua sobrevivência depende de seus conhecimentos como botânico e de sua resiliência. Em alguns momentos, o sobrevivente quase perde as esperanças, mas encara com bom humor sua situação. E confia nos seus companheiros e nos líderes da missão a Marte. A proposta para seu salvamento se mostra ousada e, sim, genial, pois amarra seu relacionamento na estória com seus companheiros.
O conteúdo à frente de tudo
O diretor Ridley Scott, experiente na ficção científica (“Blade Runner”, “Alien”, “Prometeus”), desta vez privilegiou o enredo e não o visual, a característica mais marcante de sua carreira. Neste caso, diante do brilhante material em que o filme se baseou, isso beneficiou “Perdido em Marte”. Porém, o talento de Scott não se resume ao visual, como a sequência inicial comprova.
Fugindo do lugar comum, conhecemos o protagonista, de fato, somente depois que ele embarca em sua trajetória na estória. Nas primeiras cenas, vemos os personagens trabalhando em Marte, quando uma forte tempestade surge. Os astronautas, com capacetes, não mostram seus rostos, ainda mais com as areias carregadas pelos ventos, que carregam também uma antena que atinge um deles. A líder da missão, Melissa Lewis (Jessica Chastain) deve decidir se partem para uma busca provavelmente infrutífera ou se embarcam na espaçonave e saem de Marte. A inteligência da sequência está em não mostrar o rosto do astronauta deixado para trás, levando o espectador a não julgar a decisão de Melissa. Já na cabine, ela olha para o lado e vê a poltrona do companheiro vazia – sem precisar de palavras, o cinema retrata o dilema de sua difícil decisão.
Matt Damon
A atuação de Matt Damon também merece louvor. Ele não precisa criar um companheiro imaginário como fez o personagem de Tom Hanks em “Náufrago” (Cast Away, 2000), porque pode se comunicar remotamente com a base de operações na Terra, entretanto, na maior parte do tempo ele está isolado e incapaz de dialogar com outros personagens. Essa dificuldade força o ator a falar com a câmera, seja através dos vídeos que ele grava como registro de sua situação, seja através de expressões faciais e interjeições soltas. Fisicamente, ele precisa se transformar, pois a sobrevivência de Mark depende de uma dieta rigorosa para fazer durar os poucos suprimentos que lhe restam. Assim, na parte final de “Perdido em Marte”, Damon está magérrimo.
O filme de Ridley Scott carrega uma mensagem secundária que exalta a colaboração entre as nações a fim de se conseguir atingir objetivos maiores. Assim, para que a missão de resgate dê certo, os norte-americanos, após falharem uma vez, aceitam a ajuda oferecida pela China. Melhor assim do que o patriotismo unilateral visto em outras produções recentes, como na animação “No Mundo da Lua” (Capture the Flag, 2015 ).
Ficha técnica:
Perdido em Marte (The Martian, 2015) 144 min. Dir: Ridley Scott. Rot: Drew Goddard. Elenco: Matt Damon, Jessica Chastain, Kristen Wiig, Jeff Daniels, Michael Peña, Sean Bean, Kate Mara, Sebastian Stan, Aksel Hennie, Chiwetel Ejiofor, Benedict Wong, Mackenzie Davis, Donald Glover, Nick Mohammed, Shu Chen.
Assista: Ridley Scott fala sobre “Perdido em Marte”