Um filme sueco sobre a indústria pornográfica? Sim, e pode ter certeza de que você verá em Pleasure um retrato bem mais cru do que no hollywoodiano Lovelace (2013), no qual Amanda Seyfried interpreta a atriz de Garganta Profunda (Deep Throat, 1972); e, claro, do que no terror X (2022), slasher que se passa nos bastidores de um filme pornô.
Pleasure traz uma perspectiva feminina sobre esse universo predominantemente masculino. Para isso, acompanha uma garota sueca de 19 anos, Bella (a estreante Sofia Kappel), que viaja para Los Angeles para ser uma estrela pornô. Sua ingenuidade fica evidente, simbolicamente, quando no aeroporto o agente de imigração lhe pergunta: “Business or pleasure?” (tradução: “Negócios ou prazer?”), e ela responde: “Pleasure”. Sem noção do que iria encontrar, ela talvez suportasse tudo se estivesse preparada a entrar nessa indústria como um negócio. Mas, sentimos que ela desembarca sem saber exatamente o que busca: fama, dinheiro, ou prazer mesmo?
Um caminho nada suave
A jornada que segue essa desventura de Bella resulta de vinte anos de pesquisas da diretora sueca Ninja Thyberg, que já lançara um curta-metragem sobre o tema em 2013, com o mesmo título. Por isso, os eventos são autênticos, e ainda contam com alguns atores e atrizes pornôs no elenco, bem como outros players dessa indústria, como o agente Mark Spiegler, que interpreta ele mesmo. Essa constatação torna ainda mais incômodo descobrirmos, junto com a protagonista, os bastidores da produção pornográfica.
Inexperiente, Bella tem a falsa impressão de que o caminho será suave. Sob a condução de um agente decente, Bear (Chris Cock), ela filma sua primeira cena de sexo explícito contando com uma equipe apoiadora e respeitosa. Mas, para chegar ao estrelato, ela descobre que precisa topar lances mais ousados. O primeiro passo nesse sentido, uma transa sadomasoquista dirigida com suavidade por uma diretora mulher, faz Bella pensar que rompeu seus limites e que está pronta para seguir nesse nicho. Então, surge a cena mais dura de Pleasure, quando ela aceita filmar uma cena em que é agredida por dois homens. Acertadamente, Ninja Thyberg monta essa cena com elipses, desfoque, tela preta, câmera trêmula, câmera subjetiva, closes extremos, ou seja, recursos que indicam o mal-estar da personagem, sem levar para as telas a visão que os consumidores desse tipo de material apreciam.
A transformação de Bella
Mas não é só diante das câmeras que o filme acompanha a protagonista. Fora dela, Bella faz também de tudo para atingir o topo. Assim, força contato com o melhor agente da região, posa ao lado da rival famosa para chamar a atenção, posta imagens e vídeos picantes nas redes sociais. Além disso, o arco dramático da personagem toca, também, seus relacionamentos pessoais. O empresário Bear lhe alerta para tomar cuidado com as amizades, pois as pessoas dessa indústria fazem de tudo para crescer, mesmo prejudicando seus amigos. Numa interessante inversão de perspectiva, é Bella quem vem a trair suas amigas; em especial sua companheira de quarto Joy (Zelda Morrison), que realmente se importava com ela.
Bella é uma personagem em rápida transformação. Esperta, descobre os meios para conseguir crescer no meio pornográfico. Porém, se afasta cada vez mais da pessoa que era quando desembarcou nos Estados Unidos. Nesse sentido, a trilha sonora trabalha muito bem o desequilíbrio entre os atos da personagem e os seus sentimentos mais profundos, interrompendo o pop/rap com música lírica. Por exemplo, ouça a canção “Hard to the Core”, gravado por Caroline Gentele e Mapei para o filme. É como se o lírico marcasse a epifania necessária para Bella no meio do turbilhão do sexo extremo e das festas loucas de promoção. A autorreflexão explicar a cena final, que simbolicamente mostra a protagonista pulando fora do carro ao perceber que estava se transformando num monstro. Um pouco antes, ela abusara de sua rival durante uma cena, agindo tão cruelmente quanto aqueles rapazes que a estupraram diante das câmeras.
Impacto profundo
O filme Pleasure em si não chega a mostrar sexo explícito, como o fez o recente Má Sorte No Sexo Ou Pornô Acidental (2021). Mas é ousado ao mostrar membros masculinos eretos, nudez frontal feminina, simulação de sexo oral. Nada gratuito, pois se insere no tema. No fim das contas, o que impacta mais é esse inédito olhar de dentro e sob o ponto de vista feminino dessa indústria de 97 bilhões de dólares1.
1Fonte: “Things Are Looking Up in America’s Porn Industry” (website da NBC: https://www.nbcnews.com/business/business-news/things-are-looking-americas-porn-industry-n289431)
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Ficha técnica:
Pleasure | Pleasure | 2021 | 1h49min | Suécia, Holanda, França | Direção: Ninja Thyberg | Roteiro: Ninja Thyberg, Peter Modestij | Elenco: Sofia Kappel, Zelda Morrison, Evelyn Claire, Chris Cock, Dana DeArmond, Kendra Spade, Jason Toler, Mark Spiegler, Lucy Hart, John Strong, Aiden Starr.
Distribuição: Mubi.