O filme indie Projeto Flórida acumula vários prêmios e indicações, principalmente para a atuação de Willem Dafoe, o único nome conhecido do elenco, que pode até conquistar um Oscar neste ano por esse papel. E o que destaca o filme entre a vasta produção norte-americana é o corajoso recorte sobre a parcela da sociedade que vive à beira da pobreza, retratada aqui com rara autenticidade.
Os protagonistas
A personagem principal é a menina de sete anos Moonee (Brooklynn Prince), filha da mãe solteira Halley (Bria Vinaite), que é uma jovem garota desempregada. As duas vivem em um conjunto habitacional popular chamado Magic Castle, em Orlando, na Flórida, bem perto da Disneylândia. É férias, e Moonee vive nas ruas, com os amigos vizinhos da mesma idade, ao lado de rodovias movimentadas e de prédios abandonados, que são outros conjuntos populares que não vingaram.
Willem Dafoe interpreta Bobby, gerente do condomínio, que sofre para manter a ordem. Além das constantes travessuras das crianças, há uma moradora de idade que insiste em fazer topless na piscina, brigas entre vizinhos, bem como um pedófilo de fora que se aproxima dos menores. Além disso, Halley possui maus modos e sempre paga com atraso o aluguel semanal. Afinal, o conjunto habitacional não é subsidiado pelo governo, pelo contrário, representa o resultado do capitalismo em sua mais dura forma. Para conseguir viver lá, Halley precisa se prostituir e vender perfumes baratos para os turistas.
Decadência
A decadência é visível aos olhos. Os blocos de prédios populares são todos iguais, com três andares, ligadas por escadas, com vagas de estacionamento na frente. As cores são horrendas, o Tomorrowland, onde vive uma das amigas de Moonee, tem cor de bala de uva. As lojas do bairro, distantes umas das outras, também apelam para a breguice para chamar a atenção. Por exemplo, a gift shop possui uma enorme cara de palhaço na porta, e uma lanchonete chamada Orange World possui a forma de uma metade de laranja.
Aliás, o nome Magic Castle é um truque baixo para atrair turistas desavisados. No filme, um casal de brasileiros em lua de mel reserva um quarto no conjunto pensando que estavam se hospedando no Magic Kingdom, um dos parques da Disney. A comunidade local, na verdade, é constituída por moradores temporários, pessoas com baixa renda, e turistas locais com poucos recursos.
Sean Baker
Por outro lado, Projeto Flórida não é bem dirigido por Sean Baker, que realiza aqui seu sexto longa-metragem. É evidente sua falta de capricho na edição. Por exemplo, na cena em que Halley discute com sua ex-amiga na lanchonete, quando o corte para a personagem acontece logo no momento em que ela fala sua linha, um erro básico que causa estranheza no espectador. Adicionalmente, outros cortes abruptos não intencionais também existem logo no começo do filme, quando as crianças surgem no quadro.
Sean Baker, no entanto, também acerta. Nesse sentido, a opção por manter a câmera na altura dos olhos das crianças ajuda a colocar o espectador na pele de Moonee, a protagonista do filme. E é brilhante a solução que ele encontrou para mostrar que a mãe dela estava se prostituindo. Em três cenas não consecutivas, a câmera enquadra Moonee brincando enquanto está na banheira, o que faz o espectador se perguntar qual o motivo desses planos que nada acrescentam à narrativa. Eis que, na terceira vez, um homem abre a porta do banheiro e descobrimos, junto com Moonee, que esses eram os momentos em que Halley recebia seus clientes.
A estreante Bria Vinaite faz um excelente trabalho no papel de Halley, uma das personagens mais fodidas que o cinema já exibiu. Em um gesto e fúria, chega a tirar seu absorvente sujo e grudar na porta de vidro do escritório do gerente Bobby. O que talvez incomode ainda mais é que ela é bonita, e isso não interfere em nada no destino torto que sua vida tomou. A jovem não mostra nenhum lado belo para o espectador, nem no aspecto físico, nem no comportamental. Ou seja, um péssimo exemplo de mãe, totalmente negligente.
A vida é bela
A cena final, porém, quebra o espectador. Pela primeira vez, ouve-se uma trilha sonora. Em um ponto trágico de sua infância, Moonee pega sua amiga vizinha pelas mãos e as duas entram no mundo da fantasia da Disneylândia, sempre tão perto delas geograficamente, mas inalcançável por questões econômicas. Nesse instante, se percebe que, para Moonee, sua vida não era ruim. Ela brincava e se divertia muito. Halley, consciente ou não, blindara a filha das durezas que enfrentava na vida – como fez o personagem de Roberto Begnini em A Vida é Bela, que impediu que o filho percebesse que vivia num campo de concentração nazista. A sequência final, talvez, seja apenas a visão de Moonee ao brincar nos arredores do Magic Castle e do Tomorrowland, porque as meninas dificilmente conseguiriam entrar num parque da Disney sem os ingressos.
É como se o diretor Sean Baker quisesse demonstrar que Projeto Flórida é o Estados Unidos genuíno da vida de boa parte de sua população. Os demais filmes são apenas fantasia.
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Ficha técnica:
Projeto Flórida (The Florida Project, 2017) EUA, 111 min. Dir: Sean Baker. Rot: Sean Baker, Chris Bergoch. Elenco: Willem Dafoe, Brooklynn Prince, Valeria Cotto, Bria Vinaite, Christopher Rivera, Caleb Landry Jones, Macon Blair, Karren Karagulian.
Diamond Films
Trailer:
Assista: o diretor Sean Baker fala sobre Projeto Flórida