O diretor Samuel Fueller sempre escolheu filmar sem se preocupar com as fórmulas clássicas dos gêneros cinematográficos. E isso, mesmo quando fazia um faroeste, um dos gêneros mais tradicionais do cinema. Renegando o Meu Sangue comprova isso.
Mais do que um filme repleto de ação, esse faroeste de Samuel Fuller privilegia a discussão ideológica. Reflete sobre dois assuntos: o antagonismo entre os estados sulistas e os confederados, que levou à Guerra da Secessão, e a invasão selvagem do território indígena pelos brancos. Por isso, o ritmo do filme é lento, apenas a conclusão reserva momentos empolgantes de combate entre índios e soldados dos Estados Unidos.
Fim da Guerra da Secessão
Renegando o Meu Sangue
se inicia exatamente no dia do fim da Guerra da Secessão, 9 de abril de 1865, em Appomattox, Virginia. Um soldado sulista, O’Meara, acerta um tiro em um tenente confederado, mas consegue apenas feri-lo. Logo, O’Meara leva o inimigo alvejado até o seu quartel e é informado que os sulistas se renderam. O filme acompanha então sua posição radical em relação à unificação dos estados americanos frente a sua família e amigos. Sentindo-se isolado, decide partir para o Oeste, onde acaba se unindo à tribo de índios sioux.
O ritmo até então lento ganha um pouco de velocidade quando O’Meara aceita guiar uma tropa de soldados dos Estados Unidos, agora unificado, através do corredor liberado pelos sioux até o local onde construirão um forte. Porém, alguns índios revoltados acabam provocando a morte do capitão. Então, aquele tenente ferido no início do filme assume o comando à revelia para construir o forte em território sioux, e isso provoca o confronto entre os índios e os soldados.
Sem patriotismo
Samuel Fuller assume uma posição arrojada nos anos 1950, ao não abraçar o patriotismo nacionalista americano em Renegando o Meu Sangue. Adicionalmente, é provocador em relação à questão indígena. Mostra, alegoricamente, que o homem branco age com violência sem tentar primeiro entender a cultura indígena, quando um soldado atira em um índio que disputava uma corrida com O’Meara, uma alternativa não violenta para resolver o conflito. Essa situação simbólica está no nome original do filme, “Run of the Arrow”. Ou seja, quem é mais selvagem: o branco ou o índio?
Além disso, Fuller também retrata corajosamente a derrota dos soldados no combate contra os sioux. E conta a estória do ponto de vista do renegado O’Meara, que não engole o discurso da unificação dos estados. Simbolicamente, a bandeira dos EUA pega fogo no filme, e O’Meara rejeita o que sobrou dela. Provoca, ainda, no final do filme, ao colocar uma frase na tela jogando a responsabilidade do futuro do novo país aos seu povo.
A presença de Rod Steiger no papel de O’Meara acrescenta densidade a Renegando o Meu Sangue. Ator que se notabilizou em papeis sérios, como em No Calor da Noite (In the Heat of the Night, 1967) e Sindicato de Ladrões (On the Waterfront, 1954), Steiger provoca a reflexão do público com as argumentações de seu personagem. E, o filme ainda tem Charles Bronson, em um dos seus primeiros filmes para o cinema, como um sioux e Angie Dickinson numa ponta.
Renegando o Meu Sangue é um faroeste para quem quer mais do que lutas entre mocinhos e bandidos. Não é nenhuma surpresa, afinal, é um filme de Samuel Fuller.
Ficha técnica:
Renegando o Meu Sangue (Run of the Arrow, 1957)
EUA. 86 min. Dir/Rot: Samuel Fuller. Elenco: Rod Steiger, Sara Montiel, Brian Keith, Ralph Meeker, Jay C. Flippen, Charles Bronson, Olive Carey, H.M. Wynant, Neyle Morrow, Frank DeKova, Angie Dickinson.
Lançado em dvd pela Versátil Home Video no box “Cinema Faroeste Vol. 2“.