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Restos do Vento (filme)
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Restos do Vento

Avaliação:
8/10

8/10

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Crítica | Ficha técnica

O longa-metragem português Restos do Vento provoca reflexões sobre a vida em sociedade. O seu relato é um microcosmo que convida a relações metafóricas para âmbitos mais amplos. Assim, a história acontece em um pequeno vilarejo no interior de Portugal. Seguindo a tradição, num certo festejo local os homens mascarados saem às ruas para fazer farra e assediar as mulheres. Mas um rapaz do campo, que não costuma participar desse ritual, se interpõe quando os demais molestam agressivamente uma jovem. A garota se livra do estupro, mas o rapaz leva uma surra violenta do grupo. Esse prólogo do filme expõe um evento que repercute 25 anos depois, quando a narrativa, de fato, se inicia.

Aquele rapaz que apanhou dos outros é Laureano, que agora vive sozinho na casa que era dos pais, isolado no meio da mata, com a companhia somente dos seus cachorros. A comunidade o chama de maluco, e todos o tratam mal. A única exceção é Judite, aquela moça que ele ajudou no prólogo. Ela o visita constantemente e leva comida para ele. Aquela violenta tradição já deixou de ser praticada, mas seus efeitos ainda influenciam essa comunidade. Prova disso é que os rapazes jogam pedras em Laureano e em seus cachorros, e assediam as garotas. Entre elas, Salomé, filha adolescente de Judite. No dia da festa, embora o ritual da farra mascarada (chamado de Vento) esteja extinta, os ecos daquele sentimento de ausência de culpa retornam e conduzem a uma tragédia.

Impunidade gera violência

O filme impacta por não se restringir a soluções fáceis. O crime da noite da festa tem um culpado que confessa. Porém, os parentes não aceitam que ele sofra as consequências. Aquele ritual celebrava, no fundo, a impunidade – e a agressão em grupo a Laureano 25 anos atrás é uma externalização concreta disso. Afinal, ninguém foi penalizado por isso. Então, nessa linha de insensatez, os envolvidos nesse novo evento preferem encontrar um bode expiatório para sofrer as consequências, ainda que injusta. Com isso, fica claro que ninguém é inocente, nem mesmo Judite, exceto o maluco da vila, que não faz mal nenhum. E a decisão errada na parte final traz a pessimista sensação de que a impunidade continuará a prevalecer como um dos valores dessa comunidade.

Restos do Vento é o quinto longa-metragem do diretor Tiago Guedes, provavelmente o seu melhor trabalho. Filma com primor. Além da fotografia belíssima (de Mark Bliss), característica habitual do cinema português, Guedes apresenta aqui enquadramentos meticulosamente planejados. Em mais de uma cena, ele coloca duas situações paralelas no mesmo quadro, com um personagem em cada canto da tela, aproveitando a arquitetura do local das filmagens. Além disso, aproveita o cenário para criar recortes dentro da tela, que reforçam a narrativa. Como, por exemplo, quando as paredes bloqueiam os cantos do quadro, e Judite e Salomé se abraçam no centro, num aspect ratio próximo de uma tela de celular, ressaltando esse momento de forte cumplicidade entre as duas.

Tecnologia moderna, costumes obsoletos

O vento, que está no nome daquele ritual, continua a assombrar a comunidade. Não só quando sopra forte no caminhar de Laureano na parte final do filme, mas também nas hélices gigantescas que movem as torres eólicas lançando suas sobras sobre esse personagem. É irônica, ainda mais, a presença dessa modernidade na tecnologia, enquanto nos costumes ainda persistem os piores resquícios das tradições que parecem pertencer à Idade Média. São os restos de vento que ainda sopram.


Restos do Vento (filme)
Restos do Vento (filme)
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