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Retratos Fantasmas (filme)
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Retratos Fantasmas | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
7/10

7/10

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Crítica | Ficha técnica

No último Festival de Gramado, em sua 52ª edição, o filme de abertura foi Retratos Fantasmas, quinto longa de Kleber Mendonça Filho (devemos considerar Crítico [2008] o primeiro, por mais modesto que seja). O filme estreou logo em seguida no circuito comercial brasileiro, iniciando a mesma onda de aprovação (grande) e rejeição (diminuta) dos longas anteriores do diretor.

O cineasta pernambucano tem sido um marqueteiro com habilidade, angariando admiradores de mancheia, o que não é necessariamente ruim, mas atrai tanto as detestáveis adesões automáticas da turma do “não vi e já adorei” quanto seu inverso nefasto, daqueles que já veem seus filmes de má vontade (não me refiro aos que o detestam pelas manifestações políticas, pois esses estão abaixo da crítica).

O lado bom é que KMF, como se tornou conhecido, tem percorrido cidades em pré-estreias para discutir seu rebento com plateias, empolgadas ou não, de norte a sul. Nesses debates pode haver algum atrito, alguma pressão no artista que valorizaria a relação com o público.

O filme é dividido em três partes interligadas por uma espinha dorsal arriscada, que alguns têm chamado de narcisista: a relação do cineasta com as transformações brutais de sua cidade, Recife, e com as salas de cinema que o formaram. Na primeira parte, KMF nos mostra como o apartamento onde morou por mais de 40 anos foi usado em vários de seus filmes, notadamente no curta Eletrodoméstica (2005) e no longa O Som ao Redor (2012).

Narcisista ou não – e devo avisar que não tenho o menor problema com esse tipo de coisa, pois creio que um cineasta tem todo o direito de falar na primeira pessoa, assim como nós, críticos – essa primeira parte é mais fraca, e me pareceu até um pouco preguiçosa. A opção pela ligação do lugar com a decadência da cidade, passando pela morte do cão da vizinha e pela necessidade de colocar arame farpado nos muros, pareceu-me um tanto forçada. Tem ainda uma certa simplicidade de olhar que me lembrou No Intenso Agora (2017), de João Moreira Salles, o que é estranho vindo de alguém tão estratégico como KMF.

Na segunda parte, o longa melhora. Temos um passeio memorialista pelas salas de cinema que o cineasta frequentava em sua juventude, ou mesmo em sua maturidade. Espaços como Moderno, Art Palácio e Trianon deixaram de existir há muito tempo. Kleber flagra seus momentos de glória, a arquitetura imponente, o ideal nazista por trás do Art Palácio (arquitetado, por ironia, pelo judeu Rino Levi) e os dirigíveis alemães que vinham junto dessa aproximação.

Recupera ainda as imagens do antigo projecionista Alexandre, morto em 2002, para quem a sala de cinema era seu lar, sua vida. O rosto de Alexandre ilumina a tela de tal modo que sentimos sua paixão, o pedaço de sua vida que se foi com o fechamento do cinema. Já o São Luiz funcionava até outro dia, entrando em reforma nos últimos meses, esperamos todos que para um retorno triunfal.

Na terceira e última parte, a ideia do cinema como um templo, e dos fantasmas que habitam a cidade. E o registro de templos evangélicos ocupando os lugares dos antigos cinemas. Substitui-se uma religião por outra. Essa terceira parte, provavelmente a melhor do filme, se encerra com aquilo que poderia ser um pequeno curta independente, apesar de caber direitinho no filme, que me pareceu inspirado no Barren Illusions (2000), do Kiyoshi Kurosawa, na ideia do motorista de Uber que se torna invisível, e registra de quebra o crescimento do número de farmácias na cidade (Recife, mas poderia ser qualquer outra).

Hoje quase não temos cinemas de rua nas grandes cidades, mas temos inúmeras farmácias, que por vezes costumam vender de tudo e ocupar um terreno imenso. Em São Paulo, vanguarda da gentrificação mais abjeta, padarias que substituem supermercados são a parte mais interessante dessas mudanças, mas é difícil não reconhecer a semelhança de observação. São farmácias muito iluminadas que se destacam no panorama noturno das grandes cidades, resultado do envelhecimento da população. Não é um olhar crítico para esse fenômeno. Nem deveria ser. É apenas uma observação pertinente.

Mas Retratos Fantasmas tem algumas pistas falsas que não podem ficar ao léu. Quando Kleber fala que mente, dependendo da situação, ao dizer que há, sim, direção de arte nas cenas de O Som ao Redor, ele quer dizer que na verdade não há. Mas e se for o contrário? E se ele mente ao dizer que não há? Teria mentido no filme, para nós. Não é incomum diretores darem pistas falsas sobre seus trabalhos. KMF estaria seguindo os passos de John Ford e muitos outros. Quem pode saber se ele imprime o fato ou a lenda a não ser ele mesmo e sua esposa-produtora Emilie Lesclaux?

Esse é um aspecto bem interessante de seu filme. Ao trabalhar com fantasmas e fantasias, o cineasta abre o campo para certos questionamentos. Quem nos garante que seus retratos são verdadeiros, e não falsificações? Que numa foto de juventude saiu mesmo algo parecido com um espírito e que por isso ele seria chamado de médium por amigos? Seria este o F for Fake (1973) de Kleber Mendonça Filho? Jamais saberemos. Melhor assim.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Retratos Fantasmas | 2023 | 93 min. | Brasil | Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho | Com Rubens Santos.

Distribuição: Vitrine Filmes.

Trailer aqui.

Onde assistir:
Retratos Fantasmas (filme)
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