Rodeo marca a estreia em longa-metragem de ficção da diretora francesa Lola Quivoron. Nas primeiras imagens, a câmera de perto segue uma moça, Julia (Julie Ledru), que parece brigar com amigos. Ela pede para a levarem em um lugar. Quer porque quer uma moto. Chega até o comprador com a bolsa cheia de pedras. Diz que precisa experimentar a máquina antes de comprar, ouve algumas dicas, deixa a bolsa como garantia de que irá voltar. E rouba a moto, como havíamos previsto. Enquanto sai feliz pelas estradas, a música que ouvimos e que desperta os créditos é brasileira, cantada em português.
A câmera é do tipo nervosa, mesmo quando não há tensão alguma em cena. A falácia de que a câmera precisa estar livre para chacoalhar no ar como um mosquito continua enganando muita gente de cinema, mas raramente há alguma vantagem nesse tipo de academicismo da câmera tremida em relação ao outro, da câmera num tripé, a não ser que se encare a possibilidade de um mau operador conseguir emprego como algo positivo. Pode até ser, de um ponto de vista social, mas para o cinema, é um estrago só.
A câmera como uma personagem
A ideia da câmera como mais uma personagem, que vem da câmera na mão do cinema verdade, é válida quando há uma adequação com o que é filmado. É o que faziam diretores como Pasolini e Glauber Rocha. Quando não há essa adequação, vira uma bela desculpa para filmar mal, sem um olhar atento para as coisas e as pessoas e sem a menor preocupação com a força pictórica de uma imagem cinematográfica. Um longo passo atrás, já que no curta de Quivoron que vi, Au Loin, Baltimore (2016) há essa preocupação. Perde-se em beleza, ganha-se em quê?
Cassavetes, Claire Denis, Naomi Kawase, os acima mencionados e mais alguns outros ofereciam algo em troca da ausência de força pictórica, uma sensação qualquer de urgência ou desespero, um entrosamento de elenco que desperta grandes emoções, alguma coisa que faça valer a soltura da câmera.
Neste Rodeo, nada disso acontece. A câmera chacoalha porque acredita-se, talvez, que ela precise estar viva. A câmera torna-se um organismo vivo e rebelde. Não há mais necessidade de direção ou mesmo operador. Haja paciência.
Julia anda com o pessoal que empina motos, que flerta com o perigo em cima de seus veículos, por vezes fugindo da polícia, ou se acidentando gravemente. Ela é folgada. Não pede as coisas, já vai pegando. Manda no irmão, trata mal as pessoas. Quase impossível simpatizarmos com ela.
Não penso ser esse um motivo de adequação com a câmera tremida, mas, sim, um motivo a mais para o filme ser desagradável, plasticamente feio (o que nem sempre é um problema, evidentemente) e, pior, um tanto tolo na maneira como nos deixa compreender sua protagonista.
Ausência de mise en scène
Há um momento específico, perto do fim, em que a câmera fica no tripé por alguns instantes. É disparado o melhor momento do filme. A diretora parece saber que a força desse momento dependia de um capricho maior na câmera, no enquadramento, na distância que mantém do ator e da atriz.
Pode-se argumentar que o contraste entre o capricho momentâneo e a sujeira dominante é desejável, como forma de mostrar uma outra possibilidade para a protagonista. A mim não convence essa ideia, pois à altura em que surge o melhor do filme já estamos intoxicados o bastante de mau cinema para ficarmos minimamente impressionados.
Essa mania de franceses filmarem imigrantes com essa estética suja já cansou também. Parece até preconceito a ideia implícita de que só se pode filmar imigrantes e outras pessoas excluídas desse jeito, sem a menor preocupação com a composição da imagem. O tiro ricocheteia e atinge o próprio filme.
A ausência de mise en scène que deu tantas coisas boas ao cinema na segunda metade do século passado, neste século está quase sempre nos dando filmes indigestos como este Rodeo. Que essa moda passe de vez.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Rodeo | Rodéo | 2022 | 105 min | França | Direção: Lola Quivoron | Roteiro: Lola Quivoron, Antonia Buresi | Elenco: Julie Ledru, Yannis Lafki, Antonia Buresi, Cody Schroeder, Louis Sotton, Junior Correia.
Distribuição: Imovision.
Quer ver o trailer? Então, clique em: https://youtu.be/XfbA0fqRx-k