Emerald Fennell despontou no cinema em 2020, com o roteiro e a direção de Bela Vingança (Promising Young Woman), e agradou ao concretizar nas telas uma violenta desforra das mulheres contra homens abusivos. Era um filme com propósito claro, em meio ao movimento #metoo. Mas o mesmo não acontece em Saltburn, seu lançamento seguinte. Se é que Fennell tinha um tema central em mente, seria a descrença na humanidade. Nesse sentido, ela entra no grupo de discípulos de Yorgos Lanthimos.
Por isso, não estranha a presença do ator Barry Kheogan (de O Sacrifício do Cervo Sagrado [The Killing of a Sacred Deer, 2017) no papel do protagonista Oliver. Kheogan é talhado para interpretar personagens doentios, como Lanthimos comprovou. Mas, em Saltburn, essa característica se torna um problema. O filme procura esconder quem Oliver realmente é. Seria ele um coitado com pais viciados, como conta para Felix Catton (Jacob Elordi), seu colega da universidade que ele admira e quer mais próximo? Aliás, por falar em Jacob Elordi, esta é outra escalação óbvia demais. Novamente, o ator de A Barraca do Beijo (The Kissing Booth, 2018) e de Priscilla (2023) encarna o tipo bonitão desejado por todos.
Oliver consegue se tornar o melhor amigo de Felix, que o convida para passar uns dias em seu castelo junto com sua família nobre. Nesse ponto, o filme perde o rumo. Acaba envolvido em mostrar as excentricidades da família de Felix, formada pela mãe Elspeth (Rosamund Pike), o pai Sir James (Richard E. Grant) e a irmã Venetia (Alison Oliver), incluindo também o adotado Farleigh (Archie Madekwe). Mas o que importa mesmo é como Oliver manipula cada um deles para conseguir um lugar permanente na família.
A força do desconhecido
Enquanto Oliver executa seu plano, o filme parece que vai crescer. Mas as motivações do protagonista descambam para a confusão. Seria interessante que se mantivesse dentro de uma obsessão homoerótica por Felix, ou de uma compulsão por ser aceito por seus parentes. E parece seguir por esse caminho, com suas atitudes bizarras como lamber a banheira após Felix se masturbar nela, ou quando percebe a gravidade de seus atos e chora, para depois se excitar em cima do monte de terra do enterro. Esse mistério sobre quem Oliver é de fato torna o filme instigante.
Por isso, um final aberto deixaria todas essas desconfianças no ar, o que poderia provocar diferentes conclusões em cada espectador. No entanto, Emeral Fennell erra ao esmiuçar em detalhes tudo o que aconteceu e como. O passo a passo de seus atos planejados soa como uma fútil tentativa de chocar o público com a morbidez do personagem. A conclusão que fica é a de que ele não era nem Tom Ripley nem Norman Bates; no fundo, estava apenas atrás de dinheiro e status. Ou seja, apesar de toda o comportamento doentio, Oliver tinha um plano racional para obter o que ele queria. E, com esse final decepcionante, apesar de Fennell filmar com engenhosidade (Saltburn apresenta belos enquadramentos, uso de reflexos e planos longos) cai por terra a esperança de se confirmar o surgimento de uma jovem e promissora diretora.
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Ficha técnica:
Saltburn | 2023 | 131 min | EUA, Reino Unido | Direção e roteiro: Emerald Fennell | Elenco: Barry Kheogan, Jacob Elordi, Archie Madekwe, Paul Rhys, Richard E. Grant, Rosamund Pike, Carey Mulligan, Alison Oliver, Sadie Soverall, Millie Kent.