Em Ser ou Não Ser, a comédia sofisticada e inteligente de Ernst Lubitsch cutuca com vara curta o nazismo.
A ousadia do cineasta alemão que imigrou para Hollywood em 1922 se sobressalta porque Ser ou Não Ser foi lançado quando a Segunda Guerra Mundial estava em curso. Contudo, muito por conta disso, o público e a crítica nos EUA consideraram o filme de mau gosto, e as bilheterias foram fracas.
Porém, com o passar dos tempos, uma análise afastada do calor do momento descoberta a genialidade deste obra-prima. Através dela, o judeu Lubitsch ataca ferozmente o nazismo com a arma que possuía: a cultura. Assim, com brilhantismo, o cineasta entrelaça sua investida no próprio enredo do filme, ao mostrar atores derrotando os militares.
A trama do filme
A estória acontece em 1939 na capital polonesa Varsóvia, antes da invasão alemã. Um grupo de teatro prepara os últimos ensaios para uma nova peça sobre Hitler. Porém, antes que possam estrear, os nazistas tomam a cidade, cancelando todas as apresentações. Então, os atores formam um grupo de resistência na clandestinidade.
Mais tarde, Sobinski, um soldado polonês apaixonado por Maria Tura, atriz da trupe teatral, retorna para Varsóvia com a missão de impedir que um espião entregue aos nazistas informações sobre os grupos de resistência. Juntos, Sobinski e os atores bolam um engenhoso plano para enganar os alemães e destruir esse dossiê. Para isso, os artistas aproveitam os figurinos da peça cancelada e fingem ser nazistas.
As tramas são intrincadas e o espectador não identifica se o que vê nas telas é verdade ou encenação. Como resultado, a revelação se torna um delicioso exercício de compreensão posterior. Além de tudo, se sucedem episódios irresistivelmente engraçados, em piadas inteligentes e sofisticadas que revelam o que ficou conhecido como o “toque de Lubitsch”.
Comédia e suspense
E, ainda por cima, Ser ou Não Ser consegue envolver o espectador no suspense, pois qualquer deslize dos atores pode acarretar fatídicas consequências. Afinal, o grupo está lidando com nazistas. Para esse efeito, em alguns momentos o filme antecipa ao espectador alguma informação que o personagem desconhece. Dessa forma, a película funciona tanto como comédia como suspense. Por exemplo, quando o ator que finge ser o espião Siletsky vai a uma reunião com os nazistas e estes já sabem que esse traidor está morto.
Vale notar que o título do filme se encaixa perfeitamente nessa trama. Por um lado, constantemente o espectador fica na dúvida entre o ser ou não ser realidade o que ele vê na tela. E, por outro, Lubistch escancara toda a encenação intrínseca ao nazismo, que se apoia nos gestos exagerados para disseminar o seu regime intimidador. Por exemplo, ele critica a obediência cega na hilária cena em que os pilotos pulam do avião sem paraquedas, obedecendo as ordens de seu supervisor.
A carreira de Lubitsch
Na verdade, Lubitsch se sente à vontade com o ambiente de Ser o Não Ser, pois ele iniciou sua carreira no Deutches Theater de Max Reinhardt, aos 19 anos. Atuou em peças, depois em filmes, onde passou para atrás das câmeras em Augs eis Geführt (1915). Entre os destaques como diretor de cinema mudo alemão, estão Madame Dubarry (1919) e a superprodução Amores de Faraó (1922).
Então, Mary Pickford o levou para os EUA nesse mesmo ano, estreando no país com o fracasso Rosita (1923). Quando se livrou do esquema americano onde o produtor prevalece sobre o diretor, realizou fitas de sucesso como O Tenente Sedutor (1931) e Ninotchka (1939). Para muitos, Ser ou Não Ser e A Loja da Esquina (1940) são suas obras-primas.
Elenco
Nessas duas pérolas, se destaca o ensemble cast, ou o elenco como um todo, uma outra característica das obras de Lubitsch. Em Ser ou Não Ser, vários integrantes da trupe possuem momentos marcantes no filme, tanto em gags como em seus papeis nas tramas contra os nazistas. E, estes inimigos extrapolam o ridículo com suas posições estúpidas que asfixiam as mais fundamentais essências humanas.
Por fim, no elenco essencialmente masculino, se sobressai Carole Lombard, como a poderosa Maria Tura. Com sua beleza e astúcia, a personagem coloca todos os homens aos seus pés – seu marido, seu admirador, os militares nazistas. No entanto, tristemente, este foi o último papel de Carole Lombard, que morreu em um acidente aéreo poucas semanas antes da estreia, aos 34 anos.
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Ficha técnica:
Ser ou Não Ser (To Be or Not to Be) 1942. EUA. 99 min. Direção: Ernst Lubitsch. Roteiro: Melchior Lengyel, Edwin Justus Mayer. Elenco: Carole Lombard, Jack Benny, Robert Stack, Felix Bressart, Lionel Atwill, Stanley Ridges, Sig Ruman, Tom Dugan.