O filme Sócrates é um belo exemplo de filme independente que percorre vários festivais locais e estrangeiros. A produção teve orçamento muito reduzido: apenas 20 mil dólares. E, por trás, jovens do projeto social Instituto Querô formam a equipe sob a direção de um brasileiro que faz carreira nos EUA, Alexandre Moratto. Esta é sua estreia em longa-metragem de ficção.
O resultado é um filme visceralmente realista, filmado em locações autênticas na periferia da Baixada Santista. O protagonista do filme, Sócrates, interpretado por Christian Malheiros, abre a história tentando acordar em vão a mãe que morreu dormindo. Daí para frente, Sócrates acompanha alguns dias da sua vida. Pela primeira vez, o jovem pobre de quinze anos está totalmente sozinho. Então, mesmo desorientado, incapaz de explicar às pessoas a sua situação, ele tenta assumir as responsabilidades de um adulto e pagar o aluguel. Procura trabalho, mas a idade o impede de conseguir um emprego formal.
Ao mesmo tempo, Sócrates se abre para novas experiências sexuais com Maicon (Tales Ordakji), um rapaz que ele conhece em um trabalho temporário. Aparentemente, ele já experimentou transar com outro homem, pois descobrimos que esse é o motivo de seu pai ter brigado com ele e com a mãe, obrigando-os a fugirem de casa. Por isso, Sócrates evita explicar o paradeiro de seu pai perante a assistente social e a funcionária do serviço fúnebre. Ele quer esconder sua homossexualidade, para evitar mais problemas.
Discriminação
Aliás, a homossexualidade no filme Sócrates é apresentada como alvo de discriminação nesse ambiente de classe baixa. Além do protagonista, Maicon também esconde que é gay, por isso evita Sócrates quando está bebendo com os amigos em um bar. Adicionalmente, quando os dois se beijam na praia, são atacados por dois garotos heterossexuais.
Nos dias cobertos pelo enredo, Sócrates sofre a falta de empatia das outras pessoas. Por exemplo, o pai continua a rejeitá-lo, Maicon não quer envolvimento sentimental, o primo não lhe dá abrigo, e o patrão da falecida mãe não lhe arruma emprego. Enfim, o único conforto que recebe é da colega de trabalho da mãe, que o abraça carinhosamente. E essa dura realidade é expressa em duas montagens em duas cenas distintas, ambas contrapondo um cachorro de rua com o protagonista.
Mas, além da carência emocional, Sócrates enfrenta a necessidade física. E a fome aperta até o ponto em que, desesperado, come comida do lixo, numa cena dilaceradora. Logo, o desespero o leva a soluções paliativas que não funcionam: a bebida e a tentativa de se prostituir.
Dessa forma, o filme Sócrates provoca mal-estar constante no espectador, intensificado porque tudo soa muito real. A interpretação de Christian Malheiros e de Tales Ordakji trazem uma força interior que nem os atores do Método conseguiram, justamente porque os dois não foram criados longe desse ambiente. E a câmera na mão segue os personagens pelas ruas e barracos da classe baixa de Santos, registrando a verdade e não os estúdios televisivos que tentam imitá-los em produções mais ricas.
Dessa forma, com o filme Sócrates, o aqui coprodutor executivo Fernando Meirelles responde às críticas que recebeu lá atrás, em 2002, quando foi criticado por glamourizar a favela em Cidade de Deus.
Final aberto
Por fim, vale ainda comentar que a conclusão do filme Sócrates não define o destino de seu protagonista. A cena final acontece na praia, como em Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut. Sócrates é salvo pela mãe pela última vez, e despeja as cinzas dela na água do mar. O gesto marca o derradeiro desprendimento do menino da proteção materna. Dali em diante, tal qual o Antoine Doinel de Truffaut, Sócrates assumirá precocemente o papel de adulto.
Esse fechamento do filme Sócrates possui um significado especial quando o relacionamos com a sua produção. Se o personagem trilhará rumos do bem ou do mal, isso muitas vezes depende de uma ação social como a que permitiu a realização desse filme. Isso supera qualquer defeito técnico que o filme possa apresentar, que são poucos, aliás. Quando há uma mensagem forte envolvida, a narrativa sai ganhando.
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Ficha técnica:
Sócrates (2018) Brasil. 71 min. Dir: Alexandre Moratto. Rot: Thayná Mantesso, Alexandre Moratto. Elenco: Christian Malheiros, Tales Ordakji, Caio Martinez Pacheco.
O2 Play
Trailer:
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