A dupla dos diretores, irmãos, Ludovic e Zoran Boukherma, comparece ao My French Film Festival com seu recente filme de terror, Teddy, que também foi classificado como comédia.
Trata-se, de fato, da história de uma pequena comunidade rural ao sul da França, já nas proximidades da zona catalã dos Pirineus, que se vê atacada por um lobo que mata seus moradores e rebanhos. Os que sobrevivem, estão fadados à estranha condição de se transformarem em lobisomem. É o caso de Teddy (Anthony Bajon), nosso protagonista e principal condutor da narrativa.
Evidentemente, o roteiro vai além, senão seria só mais um filme de gênero. E vai além, no contraponto entre esse pequeno núcleo social e Teddy, já, de cara, um outsider mal-amado. Seu círculo de convívio são os adolescentes da classe média local. Todos só estudam, não trabalham, e estão em vias de completar o liceu, prestar o famoso “baccalauréat” de conclusão do curso. Menos Teddy que “rala” o dia todo, como massagista, em uma clínica.
Teddy vive, como agregado, em uma família composta por um homem, o tio postiço Pépin (Ludovic Torrent), e uma mulher doente, completamente paralisada, dependente em tudo dos cuidados dos demais.
Acredito que, daqui, partiu um dos aspectos mais expressivos do roteiro. Pois é nessa família de condição precária, em oposição a dos demais moradores, que os laços afetivos e generosos ficam evidentes e parecem verdadeiros e naturais. Mesmo quando Teddy vai paulatinamente descobrindo as manifestações de sua transformação, ele não deixa de alimentar a doente, e o faz com paciência. Impossível não associar essas cenas ao Chapeuzinho Vermelho, só que às avessas…
Via crúcis
É em Pépin, que o criou, que encontra confiança para revelar seu segredo, e com ele viver sua dolorosa via crúcis. É em seus braços que se entrega, para o desfecho de sua trágica condição. E é desse homem que parte a iniciativa contraditoriamente amorosa e redentora.
Curiosamente, a sociedade que o rejeita, antes mesmo de ser atacado pelo lobo, vive as formalidades da convivência familiar pautada pelo isolamento e pelos hábitos medíocres do mundinho rural. O laço de Teddy com esse universo se expressa por sua namorada, Rebecca (Christine Gautier), saída desse meio. É nesse aspecto, a meu ver, que a outra ponta do roteiro se articula. Com essa namorada fica claro, ao menos durante uma boa parte de suas adolescências, que o amor entre desiguais, social e culturalmente, é possível. E é o amor por ela, que ele carrega mesmo depois da separação, que foi capaz de salvá-la de sua própria fúria transtornada, assassina, de lobisomem.
Interessante que o filme percorre a passagem, do rapaz ao lobisomem, de forma gradual, como que para dar lugar, na trama, àquelas questões de fundo. A lua no céu, em suas fases de minguante à cheia, marca o tempo da narrativa para introduzir o ápice da ação. É claro que não faltaram as cenas fortes e cruéis da metamorfose, os ataques sangrentos.
Quanto à classificação do filme como comédia, até dá pra entender. Repousa nas conversas e vivências leves, divertidas, entre o casal de namorados, e na atuação de Teddy como massagista. Aqui fica o destaque hilariante das diversas modalidades de massagens, inventadas pela dona da clínica que, além de tudo, insiste em assediar o jovem Teddy violentamente. Ah, se ela soubesse…
Texto de autoria de Solange Peirão, historiadora e diretora da Solar Pesquisas de História.
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Ficha técnica:
Teddy | 2020 | França | 88 min | Direção e roteiro: Ludovic Boukherma e Zoran Boukherma | Elenco: Anthony Bajon, Christine Gautier, Ludovic Torrent, Guillaume Matera, Noémie Lvovsky, Jean-Paul Fabre.