O musical The Rocky Horror Picture Show ficou célebre porque virou filme cult, com sessões especiais noturnas repletas de fãs fantasiados como os personagens cantando as canções durante a projeção. O filme está disponível para streaming, mas assistí-lo em casa escancara os seus defeitos. Entre eles: mal filmado, com coreografias fora de sincronia, partes cantadas evidentemente dubladas, e um enredo tolo que mistura terror e ficção científica em tom de comédia. Mas, apesar ou talvez por isso mesmo, tem motivos para se tornar cult.
Do palco para as telas
O filme é uma adaptação do musical teatral de Richard O’Brian. Essa origem fica evidente em todos os momentos, principalmente na conclusão que coloca o espectador no proscênio, inclusive com os atores em cima de um palco. A atuação exagerada de todo o elenco corrobora essa impressão, principalmente por causa de Tim Curry, que interpreta um Dr. Frankenstein (literalmente) travestido de Frank-N-Furter. O ator rouba a cena descaradamente, ofuscando até Susan Sarandon, que depois construiria uma carreira de respeito (e muito mais exitosa do que de Curry).
O teatral marca também a direção de arte. Ao invés de um lúgubre castelo mal-assombrado, encontramos um cenário colorido e iluminado. A decoração combina com os figurinos. Nesse aspecto, os convidados da festa antecipam os acessórios extravagantes da cena disco que estava por vir, enquanto Tim Roth e seus companheiros refletem o glam rock da época. O personagem Frank-N-Further apresenta uma misoginia desbundante, com corselete e cinta liga pretas que se tornaram célebres. Sexy e kitsch, lembra a viajada de Roger Vadim em Barbarella (1968). Já o tom de terror misturado com farsa remete a outro Roger, o Corman, em seu filme A Loja dos Horrores (The Little Shop of Horrors, 1960).
Os números musicais não são bem ensaiados, e isso fica claro quando vemos danças dessincronizadas em grupo. Quem salva o show é Tim Roth, que se sente em casa como uma mistura de David Bowie e Alice Cooper. Mas o artista de rock que faz uma participação especial aqui é Meat Loaf, que também costumava inserir partes teatrais em suas apresentações.
O enredo
Na trama, um casal de noivos viaja à noite por uma estrada pequena quando o pneu do carro fura. Eles buscam ajuda num castelo antigo, e logo viram reféns de Frank-N-Further. A criação deste doutor não é um monstro horrendo, mas um homem musculoso que ele pretende usar para o seu prazer. Enquanto ele espera os sete dias para essa criatura ficar totalmente pronta, Frank seduz suas duas vítimas. A experiência sexual libera a recatada Janet (Susan Sarandon) que sai na frente de Frank e transa com a criatura. Por fim, a conclusão revela a origem de Frank e seus companheiros, completando assim a lista de referências cinematográficas que a letra da música de abertura apresenta.
Provavelmente, não era intenção dos realizadores criar um filme ruim que virasse cult. Mas a escalação do sofrível diretor Jim Sharman levou a isso. Sua inabilidade fica evidente na primeira parte, que acontece antes da chegada ao castelo. Assim, na cena inicial do casamento, vemos até o boom do microfone na parte superior da tela, enquanto Sharman desastradamente tenta filmar uma situação banal. Depois, quando a trama fica mais maluca, dando lugar às liberdades do formato musical, seus erros ficam menos evidentes. A inserção de um narrador ajuda, mas não dá para negar que a direção é incompetente.
De qualquer forma, assista a The Rocky Horror Picture Show. Em casa, para checar esse produto que se tornou fenômeno cultural. Mas, preferencialmente em uma sessão noturna nos Estados Unidos, para conferir in loco o desbunde do público.
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Ficha técnica:
The Rocky Horror Picture Show | 1975 | 100 min | Reino Unido, EUA | Direção e roteiro: Jim Sharman | Elenco: Tim Curry, Susan Sarandon, Barry Bostwick, Richard O’Brien, Patricia Quinn, Nell Campbell, Jonathan Adams, Peter Hinwood, Meat Loaf, Charles Gray.