À altura de Velvet Goldmine (1998), quarto longa-metragem de Todd Haynes, pensei comigo: “esse diretor não gosta de música, ou, pelo menos, desse tipo de música”. Não exatamente por isso, ou não só por isso, eu não tinha gostado do filme, que me pareceu desprezar o mundo que estava retratando. Não sou entusiasta do diretor. Com a exceção de Mal do Século (Safe, 1995) e Longe do Paraíso (Far From Heaven, 2002), os filmes dele costumam me incomodar. Se não já na primeira visão, certamente numa revisão mais atenta, caso de Não Estou Lá (I’m Not There, 2007). Mas reconheço que havia um ingrediente em seus filmes que não era desprezível: a coragem de correr riscos.
Quando surgiu este documentário sobre uma de minhas bandas preferidas, o Velvet Underground de Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison, Mo Tucker e Doug Yule (que entrou no terceiro disco substituindo Cale), pensei: “xii, lá vem o Haynes detonar outra cena musical.” Temia que seu olhar fosse de cima, com ares de superioridade para essa banda que foi punk antes do punk rock existir como fenômeno cultural.
Mais convencional
Mas, entre Velvet Goldmine e The Velvet Underground, algo aconteceu no cinema desse diretor. Ele se aproximou de um viés mais convencional do fazer cinematográfico, dosando suas pretensões autorais nos momentos em que as narrativas permitissem. Seus três longas anteriores, lançados após Não Estou Lá, tendo entre eles e este último uma minissérie (Mildred Pierce, 2011) apresentavam uma tentativa de adequação às normas do mercado cinematográfico dos EUA, um mercado avesso à noção de autoria e com variações pouco convidativas a rasgos de ousadia.
Carol (2015) buscava o drama de prestígio dentro da luta pela diversidade sexual. Sem Fôlego (Wonderstruck, 2017) é um drama juvenil bem convencional, com a típica trilha sonora sentimental para agarrar o público pelo pescoço, ainda que com o selo Haynes de autoria (trabalho com iluminações mais artísticas, narrativa em dois tempos, preto e branco e ausência de falas nas cenas do passado). E O Preço da Verdade (Dark Waters, 2019) insere-se na linha dos filmes de denúncia, mas sem metade da força que tinha, por exemplo, O Informante (The Insider, 1999), de Michael Mann. Está mais para um Norman Jewison atualizado.
Domesticado
Quando chegamos, então, a este The Velvet Underground, vemos um Todd Haynes mais, digamos, domesticado. Por outro lado, como os riscos que corre são menores, fica também mais difícil atingir o sublime ou o fiasco. Convenhamos que para um diretor que se aproximou algumas vezes do fiasco, notadamente em Veneno (Poison, 1991) e Velvet Goldmine, ou mesmo no domesticado Sem Fôlego, melhor andar por terrenos mais seguros. Embora do ponto de vista da crítica seja sempre preferível um diretor mais ousado do que um que se contente com a convencionalidade.
Se o documentário musical tem se mostrado um gênero domesticado por natureza, Haynes procura encher seu filme de um material visual bem farto sobre o contexto artístico e cultural, demorando cerca de 40 minutos para entrar de fato na história da banda, preferindo antes percorrer a riqueza da cena artística do submundo novaiorquino onde Andy Warhol se estabeleceu e mostrando em que ambiente a banda nasceu e se desenvolveu.
Bonito de se ver, mas…
Pouco se fala do material final do Velvet, os discos Loaded e Squeeze (este último já sem Lou Reed). O foco maior é em Reed, seguido de perto por John Cale e Mo Tucker (estes dois com depoimentos para o filme). Em dado momento, surge a rivalidade com os Mothers of Invention de Frank Zappa, com a ideia de ódio aos hippies por parte dos velvets, mas não nos é dito que Zappa também odiava os hippies. Musicalmente, não há motivo para festejar. Em duas horas de projeção, ouvimos trechos de algumas músicas, poucas imagens de shows (uma dificuldade mesmo para quem pesquisa imagens da banda) e nenhuma amostra da genialidade de Cale e Reed compondo (que fosse com um crítico comentando as ousadias dos dois).
Não se trata de um mau filme, longe disso. Mas The Velvet Underground se aproxima um pouco daqueles livros grandes, de capa dura, que costumam ficar na mesa da sala de estar, com imagens muito belas e texto muito resumido e pouco informativo. É bonito de se ver, mas decepcionante para quem quiser conhecer melhor a banda ou ter uma ideia melhor de sua importância.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
The Velvet Underground | 2021 | EUA | 121 min | Direção e roteiro: Todd Haynes | Com Mary Woronov, Lou Reed, Jackson Browne, Jonathan Richman, John Cale, Maureen Tucker, Amy Taubin, Sterling Morrison.