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Todas as Mulheres do Mundo (filme)
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Todas as Mulheres do Mundo

Avaliação:
10/10

10/10

Crítica | Ficha técnica

O diretor Domingos de Oliveira morreu recentemente, em 23 de março de 2019, aos 83 anos. Porém, ele continua vivo através de suas obras, principalmente aquelas geniais, como Todas as Mulheres do Mundo, seu filme de estreia.

Vibrante

Todas as Mulheres do Mundo é um filme vibrante, que exala juventude. Parece um manifesto de inconformismo, inspirado pelos cineastas franceses da nouvelle vague. Em especial, François Truffaut, pelo seu tema central, o amor, apesar de que Domingos de Oliveira é mais ousado. Em outras palavras, mais descolado do cinema clássico do que o cineasta francês.

No prólogo, somos bombardeados por uma colagem de imagens, estáticas e em movimento, que se alternam em ritmo alucinado, conectadas com a narração que defende racionalmente as vantagens de ser solteiro. Essa sequência influenciou Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado, talvez o curta-metragem mais famoso do cinema brasileiro. Seus 13 minutos de duração reproduzem esse estilo frenético de montagem visual e sonora para construir o raciocínio lógico que explica a produção de lixo na capital do Rio Grande do Sul.

Ao final dessa sequência inicial, surge o personagem narrador, que não é o protagonista, mas seu amigo Edu (Flávio Migliaccio). Logo, Paulo (Paulo José) relata para ele como Maria Alice (Leila Diniz) o transformou de um solteirão mulherengo para um homem monogâmico. Desde o início, enquanto essa estória é contada, a câmera é ágil, movimentando-se bastante, e a edição é nervosa, com vários cortes.

Imagem congelada e outros recursos

Além do tema do amor, Domingos de Oliveira empresta de Truffaut o congelamento da imagem, efeito que eternizou o final de Os Incompreendidos (1959), quando Jean-Pierre Léaud olha para a câmera ao chegar à praia. Esse freeze com close-up aparece em algumas sequências de Todas as Mulheres do Mundo, a mais notável quando Paulo vê Maria Alice pela primeira vez, numa cena emblemática. O solteirão está dando mais uma daquelas festonas no seu apartamento. E está prestes a jogar um dado no alvo que está na porta da sala. Quando a porta abre, entra Maria Alice. Amor à primeira vista, ilustrado de forma genial.

Antes disso, o personagem Edu já tinha quebrado a quarta parede ao final do prólogo. Enfaticamente, como se tentasse convencer o espectador que a vida boa mesmo é a dos solteiros.

O filme é estruturado em capítulos. Essa segmentação é  expressada com subtítulos na tela, e compõem as várias fases do relacionamento de Paulo e Maria Alice. Assim, começa na conquista, passa pela convivência, pela briga e, chega à reconciliação. Estrutura básica de um filme romântico, ou uma comédia romântica. E com a leveza que a sua trilha sonora, com forte presença, induz. A fórmula do gênero é clássica, mas o estilo, com certeza, não. E é isso que eleva o filme ao status de uma obra-prima.

Inventar é preciso

A inventividade, muitas vezes, se origina da necessidade. Nesse sentido, Oliveira quer fazer cinema com a câmera nas ruas sem se preocupar em interditar vias para controlar as filmagens. Tal qual Jean-Luc Godard ousou em Acossado (1960), que mostra os parisienses olhando curiosos para os atores e para a câmera. No Rio de Janeiro, as pessoas foram menos contidas. Por exemplo, em uma sequência no centro da cidade, Paulo e Maria Alice caminham enquanto os transeuntes olham para eles. E quando chegam a uma praça e conversam parados, dá para ver uma pequena multidão se formando ao redor dos atores. Então, coube ao diretor uma solução astuta. Ele manteve o diálogo rolando, mas em off, com outra imagem de cobertura, recurso que acaba coerente com a narrativa. Afinal, os dois se encontram furtivamente, pois ela ainda está comprometida com seu atual noivo.

Aliás, Domingos de Oliveira se sentiu livre até para virar a câmera de cabeça para baixo. Dessa forma, ilustra visualmente como se sentiu o ex-noivo de Maria Alice ao ser dispensado por ela. E, sem nenhuma discrição, porque se ouve até um efeito sonoro acompanhando esse movimento da câmera. De fato, é um tipo de gag visual muito usada pelo diretor Frank Tashlin em suas comédias dos anos 1950 e 1960. Inclusive, Todas as Mulheres do Mundo inclui em sua trilha sonora algumas músicas do rock and roll da época. Ou seja, indício que Domingos de Oliveira tinha intenção de colocar a modernidade no seu filme.

Poema para Leila Diniz

Outra sequência que remete à nouvelle vague é aquela onde Paulo recita um poema para Maria Alice na cama. Enquanto isso, vemos detalhes do corpo dela, acompanhando o teor do texto. É uma cena muito similar àquele famoso início de O Desprezo (1963), de Godard, quando Michel Piccoli exalta a beleza de Brigitte Bardot. A lindíssima atriz brasileira Leila Diniz, que foi casada com Domingos de Oliveira entre 1962 e 1965, equivale a Brigitte Bardot não só pela beleza, mas pela carreira efêmera no cinema. Nesse sentido, a francesa abandonou a carreira, e Leila morreu aos 27 anos em um acidente de avião.

Enfim, Todas as Mulheres do Mundo representa o cinema brasileiro inquieto, inovador, mas sem medo de reconhecer as influências estrangeiras. E esse último detalhe o afastou do movimento do Cinema Novo no Brasil, juntamente com o enfoque em personagens individuais e não político.


Ficha técnica:

Todas as Mulheres do Mundo (1966) Brasil. 86 min. Dir/Rot: Domingos de Oliveira. Elenco: Leila Diniz, Paulo José, Flávio Migliaccio, Joana Fomm, Ivan de Albuquerque, Irma Álvarez, Fauzi Arap, Isabel Ribeiro, Anna Kristina, Ana Maria Magalhães, Frances Khan, Hildegard Angel, Maria Gladys, Marieta Severo.

Onde assistir:
Todas as Mulheres do Mundo (filme)
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