Um Amor Impossível revela a perversão escondida atrás da beleza física que cega.
O trailer de divulgação de Um Amor Impossível convida o espectador para assistir a um drama romântico sobre uma mulher que se apaixona por um rapaz de classe social mais alta, tem uma filha dele mas ele se nega a reconhecer a paternidade.
A fotografia luminosa, favorecendo a beleza dos dois atores principais, a narração em primeira pessoa da filha quando adulta dessa mãe solteira, as locações em cidades francesas, trilha sonora suave tocada no piano, tudo isso somado à trama que envolve uma paixão irresistível remetem à filmografia de François Truffaut.
E, como nos filmes do cineasta da nouvelle vague, quem se apaixona assim tão fortemente acaba vítima de muito sofrimento.
A história
A parte fragilizada é Rachel (Virginie Efira), que se encanta cegamente por Philippe (Niels Schneider) e aceita que ele nunca considere a relação deles como séria. O rapaz justifica expressamente sua restrição à condição social da moça, inculta perante os seus padrões. Sincero, ele admite que se ela fosse rica, ele se casaria com ele.
A gravidez e o consequente nascimento da filha deles, Chantal, afasta-o ainda mais de Rachel. Porém, esta se abstém de buscar um novo parceiro, preferindo manter o relacionamento através de cartas. A estória acontece no final dos anos 1950, portanto as correspondências demoravam dias para chegar ao destinatário.
Rachel sempre recebia Philippe de braços abertos quando ele resolvia aparecer. A primeira vez que ela briga com ele acontece quando ele lhe conta que está casado. Chantal tinha oito anos, e só reveria o pai uns cinco anos depois.
A partir daí, o filme muda para um tom mais dramático, quando o pai resolve estar mais presente na vida da filha, levando-a para viajar nos fins de semana. O espectador nota certa estranheza em Chantal quando a mãe a busca na casa de Philippe. É um enorme triunfo para a diretora Catherine Corsini ter conseguido filmar essa cena com uma sutileza que acende um alerta no público, mas não em Rachel. Se fosse evidente, pareceria artificial.
A cruel verdade
Em sequência posterior, Chantal explode em prantos porque o pai a tratou mal. Então, a mãe tenta acalmá-la, uma atitude que dificulta a garota em contar o que era um ato mais grave. Rachel ainda ama Philippe e não desconfia. Até que Chantal, alguns anos depois, começa a namorar e o namorado revela a cruel verdade a Rachel: o pai de Chantal abusava dela há anos.
A diretora do filme prepara esse cenário, em que o público e a mãe sabem que Chantal passou por uma experiência traumatizante, mas nunca conversada entre elas, para inserir um momento de rasgar o coração de tanta tristeza em cena. No aniversário de 16 anos de Chantal, comemorada na intimidade da família composta pela mãe e a família da tia, a garota não consegue apagar as velas. Afinal, ela já possui idade suficiente para entender o que o pai fez com ela quando mais nova, abusando de sua inocência. E agora sente que, mesmo que ainda adolescente, sua vida já está estragada.
Um Amor Impossível saltará alguns anos e mostrará o relacionamento de Rachel e Chantal se degringolando. A mágoa da filha pelo fato de a mãe não a ter protegido do pai explode na vida adulta. Catherine Corsini opta por não deixar nas mãos do espectador a compreensão extensiva da estória. Por isso, insere uma cena final onde Chantal e Rachel conversam numa cafeteria, e nela, a filha consegue esclarecer a mãe sobre o fato de Philippe ter abusado não só da filha, mas da mãe também. Aproveitou-se da ingenuidade infantil da filha e da paixão cega de Rachel.
Enfim, as duas mulheres se reconciliam, vítimas do mesmo algoz. Um algoz depravado em pele de anjo que destruiu duas vidas.
Truffaut e Ozu
Adicioalmente, além de se aproximar de Truffaut pela trama da paixão que vira tragédia, Catherini Corsini declara que sua heroína Rachel lembra as mulheres fortes dos filmes de Yasujiro Ozu, ou seja, aquelas que aguentam todos os trancos da vida. Além dessa observação da cineasta, Um Amor Impossível remete a Ozu nas duas cenas em que o personagem Philippe olha para a câmera e recita a carta que Rachel está lendo. Nos dramas japoneses de Ozu, os personagens olhavam para a câmera enquanto dialogavam, e aqui o diálogo acontece através de cartas.
Por fim, Um Amor Impossível se baseia no livro de Christine Angot que conta sobre sua experiência incestuosa com o pai. Essa história semi-autográfica ainda é impactante nos dias de hoje. E chega às telas num filme com várias camadas e tons, dirigido com talento pela veterana Catherini Corsini.
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Ficha técnica:
Um Amor Impossível (Un Amour Impossible, 2018) França/Bélgica. 135 min. Dir: Catherine Corsini. Rot: Catherine Corsini, Laurette Polmanss. Elenco: Virginie Efira, Niels Schneider, Jehnny Beth, Estelle Lescure, Coralie Russier, Iliana Zabeth, Catherine Morlot, Ambre Hasaj, Sasha Alessandri-Torrès Garcia, Pierre Salvadori, Gaël Kamilindi, Simon Poulain.
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