Pairava uma certa desconfiança em relação a Um Lugar Silencioso: Dia Um. Afinal, John Krasinski não é mais o diretor e corroterista como foi nos dois primeiros. Além disso, Michael Bay está creditado como um dos produtores, o que faz sentido tendo em conta que, no lugar de uma floresta isolada, a grande cidade de Nova York se torna o cenário da destruição. Ou seja, bem ao gosto de Bay, diretor de Armaggedon (1998) e de filmes da franquia Transformers.
De fato, a primeira parte do filme se assemelha muito a uma produção de Michael Bay. Como meteoros, os alienígenas caem do céu no horizonte urbano da Big Apple, e logo provocam explosões e mortes nas ruas da cidade. A forças armadas estadunidenses contra-atacam, espalhando mais destruição. A destruição de construções icônicas, como as famosas pontes de Manhattan, reforça a mão de Bay nessa produção.
Essencialmente, o risco maior de Um Lugar Silencioso: Dia Um está no deslocamento da ação, do campo pouco habitado dos filmes anteriores para a megalópole superpovoada. E barulhenta, como adiantam as cartelas na abertura do filme. Como, então, recriar o suspense baseado no silêncio que foi chave para o sucesso narrativo de Um Lugar Silencioso (2018) e Um Lugar Silencioso – Parte II (2021)? O dispositivo funcionou tão perfeitamente que, nas sessões desses filmes, o público nem comia suas pipocas para não estragar o silêncio absoluto na sala de exibição. Explica-se: os monstros alienígenas atacam implacavelmente mediante o menor ruído.
Silêncio na cidade
Portanto, os personagens no filme precisam se manter absolutamente em silêncio para sobreviverem. Mas, numa cidade grande, os barulhos são constantes. Até porque as autoridades a toda hora passam de helicóptero anunciando instruções para os moradores. Como resultado, os monstros aparecem em maior número, o que não costuma ser bom para criar clima de terror. Afinal, quanto menos se mostra, mais assustador parece, porque a imaginação é mais poderosa que as criações dos artistas visuais. E, aqui, os planos gerais com alienígenas subindo e descendo os edifícios que se assemelham a filmes de invasão de zumbis funcionam bem, mas os planos com super closes são dispensáveis. Exemplo disso é a cena em que um alienígena se aproxima de um dos protagonistas que subiu numa pilastra.
Isto posto, o filme melhora quando os personagens principais, Samira (Lupita Nyong’o) e Eric (Joseph Quinn), se isolam dos grupos, na segunda metade da história. Primeiro vem um trecho repleto de diálogos, abafados pelo barulho da chuva. Mas, em seguida, Um Lugar Silencioso: Dia Um retoma a qualidade do primeiro filme de se assimilar a um filme mudo. A situação força o diretor Michael Sarnoski, em seu segundo longa, a contar a narrativa sem fazer o uso da comunicação verbal.
Drama intenso
Com isso, parece que os momentos dramáticos se intensificam. Samira, doente com um câncer terminal, já se entristecera ao relacionar o que assista numa apresentação de fantoches à sua condição. Na peça, um menino está feliz flutuando com sua bexiga, quando esta estoura e ele desaba. É o que se passou com ela, que tinha uma vida feliz até que a doença a condenou. Em meio à invasão, ela encontra um lampejo de esperança no desejo de comer um pedaço de pizza do bairro onde cresceu. Mas, isso também a levará a uma nova decepção, no momento mais triste do filme.
Então, chega a ser poética a cena em que Eric faz um jogo de mágicas com ela, em cima de um palco de um bar vazio. Apresentado dentro de um silêncio tocante, a brincadeira reacende o tênue fio de alegria que ainda resta a Samira. E, como consequência, ela encontra um novo propósito para o que lhe resta de vida: salvar Eric (e também o gato dela).
Tocante
A segunda metade do filme se desenrola dentro do conceito original da necessidade de se manter o silêncio. Dessa forma, no lugar do cenário da destruição total em estilo Michael Bay entra o suspense de não cometer nenhum pequeno erro que possa atrair a atenção dos monstros. Em meio a isso, surge uma força dramática tão emotiva quanto o desespero da mãe de salvar seus filhos no longa original. Nasce, então, uma inesperada tristeza numa ficção-científica inclinada ao terror. A tristeza vem à tona porque público se coloca no lugar da personagem Samira que, mesmo antes da invasão, já sabia que pouco tempo lhe restava para usufruir do precioso dom de estar viva. Nesse sentido, o enredo todo é como uma analogia da condição que ela já enfrentava.
Concluindo, a força de Um Lugar Silencioso: Dia Um não está no filme-catástrofe mega produzido da primeira parte. Mas nessa metade final, que prioriza os sentimentos humanos como essência da ação que transcorre na tela. Aproxima-se, assim, do conceito original, e toca fundo no coração do espectador.
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Ficha técnica:
Um Lugar Silencioso: Dia Um | A Quiet Place: Day One | 2024 | 100 min | EUA, Reino Unido | Direção: Michael Sarnoski | Roteiro: Michael Sarnoski | Elenco: Lupita Nyong’o, Joseph Quinn, Alex Wolff, Djimon Hounsou, Thea Butler, Jennifer Woodward.
Distribuição: Paramount Pictures.
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