Uma Mulher do Mundo (Une Femme du Monde) lança um olhar humanizado sobre a mulher que trabalha como prostituta. É o primeiro longa-metragem da diretora Cécile Ducrocq, que já abordara o tema no curta La Contre-allé (2014), que também contava com a atriz Laure Calamy como protagonista. Além disso, a diretora também teve contato com Calamy quando escreveu quatro episódios de Dix Pour Cent. Nessa série, a atriz já revelava um enorme potencial sensual, sendo amante de seu chefe, mas também uma capacidade dramática gigante, depois comprovada no excelente filme Contratempos (À Plein Temps, 2022), de Eric Gravel. E, neste novo filme, ela ainda se joga em ousadas cenas de sexo.
Tanto em Contratempos como nesse Uma Mulher do Mundo Laure Calamy vive uma mãe que se sacrifica para sustentar a si e a sua/seu filha/o. E, em ambos, sua personagem lida com uma situação de extrema pressão. No filme dessa crítica, ela é Marie, uma prostituta na casa dos trinta anos que consegue apenas pagar as contas trabalhando autonomamente. Porém, ela quer uma perspectiva melhor para seu filho de 17 anos, Adrien (Nissim Renard). Por isso, o inscreve numa prestigiada escola de culinária, apostando assim em seu talento natural para a cozinha. Mas é uma escola particular, que exige um adiantamento de cinco mil euros no ato da matrícula, montante que ela está longe de possuir. Marie, então, deixa de ser autônoma para trabalhar em uma casa noturna de prostituição. Enquanto o prazo final da inscrição para o curso se aproxima, Marie continua longe de acumular o valor necessário.
Dois olhares sobre a prostituição
O filme de Cécile Ducrocq aborda a prostituição sob dois prismas principais. Um deles, o mais óbvio, visa colocar essa atividade como um trabalho como qualquer outro. Daí vem a cena que mostra Marie numa manifestação nas ruas defendendo a classe. Aliás, cena só justificada por essa intenção, pois está à parte da narrativa. Por isso, também, vemos Marie tentar em vão um empréstimo no banco. O outro prisma trata do relacionamento entre mãe e filho. Adrien está meio perdido em sua vida, às voltas com más companhias, e nem sabe se quer realmente ir para a escola de culinária na qual sua mãe se dedica tanto para matriculá-lo. Nesse processo, cabe também a aceitação da profissão da mãe, o que só acontece depois de uma forte discussão, momento mais dramático do filme, que ainda apresenta outros picos emocionais.
Uma Mulher do Mundo consegue entrar em algumas situações clichês e sair delas com uma solução imprevisível. O desfecho do conflito entre a protagonista e seu filho é feliz, mas não um final feliz de contos de fadas em que tudo dá certo, e sim mais realista. A entrada no bordel já nos prepara para problemas – afinal, quando o cinema mostra um cafetão que proporciona uma carreira de sucesso para suas contratadas? Mas, a resolução vem numa subtrama que surpreende, aquela na qual Marie se apodera do dinheiro de uma colega pensando que ela será deportada.
A direção
O principal ponto de destaque da direção de Cécile Ducrocq é a insistência em colocar momentos de reflexão da protagonista. Com música de fundo calma e planos em close-up com a personagem com um olhar distante, essas cenas representam pausas cruciais para que os vários eventos que se sucedem na vida de Marie em um curto período de tempo não joguem a narrativa para a superficialidade. Marie é humana, e esses momentos revelam o baque que ela sofre com os acontecimentos, bem como a reflexão que eles provocam. Dessa forma, ela cresce, aprendendo com essa vertiginosa experiência.
Mas a conclusão de Uma Mulher do Mundo decepciona. Coloca-o entre os chamados “filmes do meio” do cinema francês contemporâneo, como bem define o professor e crítico Sérgio Alpendre em seu texto sobre Os Amores Dela (Les Amours d’Anaïs, 2021). Inclusive fechando com o que Alpendre coloca como a obrigatória cena de dança, aqui para passar a mensagem de que Marie deve encarar sua vida com mais leveza. Mensagem que parece simples e insatisfatória demais após acompanharmos sua sofrida trajetória durante o filme.
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Ficha técnica:
Uma Mulher do Mundo | Une Femme du Monde | 2021 | 97 min | França | Direção: Cécile Ducrocq | Roteiro: Cécile Ducrocq, Stéphane Demoustier, Jacques Akchoti | Elenco: Laure Calamy, Nissim Renard, Béatrice Facquer, Romain Brau, Maxence Tual, Sam Louwyck, Diana Korudzhiyska, Amlan Larcher.
Distribuição: Imovision.