De vez em quando algum filme que o usuário típico da Netflix considera antigo, geralmente aqueles feitos há mais de dez anos, entra na lista dos mais vistos daqui. O poder do marketing faz milagres. Talvez muitos nem atentem para a data, ou confiam no poder da sugestão. Afinal, se está entre os mais vistos só pode ser bom, lógica esdrúxula e aparentada do “tudo está na Netflix”
Por algum motivo que desconheço e também não interessa aqui, Vingança Entre Assassinos, de Scott Mann (do recente A Queda [2022]), filme inglês de 2009, está em segundo lugar da lista de mais vistos no momento em que escrevo este texto (e talvez esteja em primeiro, ou terceiro, ou nono) no momento em que for publicado.
“Ladies and gentlemen, place your bets. The tournament has begun”, anuncia o imponente promotor do torneio. A trama tem um quê das Fugas de John Carpenter (Fuga de Nova York [1981], Fuga de Los Angeles [1996]), com base forte em A Marca do Assassino (1967), de Seijun Suzuki.
Do último, a ideia de assassinos profissionais competindo por um prêmio, mesmo que no caso do filme de Suzuki seja só o posto de assassino número 1. Dos primeiros, o localizador implantado no corpo dos competidores, que dispara e mata a todos se não houver um vencedor em 24 horas.
Reality show
O século 21 é, entre outras coisas, o tempo dos reality shows. Se não há como fazer reality shows de assassinos na vida real, ao menos não oficialmente, faz-se no cinema. 30 assassinos irão se digladiar enquanto alguns apostadores observam tudo numa sala cheia de monitores e outros quitutes para o prazer dos bacanas. A ideia de câmera em todo lugar ao mesmo tempo, já vigente em 2009, encontra a febre das apostas, cada vez mais avassaladora no mundo contemporâneo.
São três os protagonistas: um negro, um padre e uma mulher oriental. A representatividade em alta, o que confere ainda mais atualidade ao filme. Joshua Harlow (Ving Rhames) foi o campeão de um torneio passado que resolve voltar porque teve a esposa assassinada por um outro competidor. Por já ter vencido anteriormente, torna-se o favorito.
Os outros são o padre alcoólatra vivido por Robert Carlyle, um participante involuntário em crise com o sacerdócio, e a matadora oriental interpretada por Kelly Hu, mulher cheia de poder e traumas. Há ainda o veloz jogador francês vivido por Sebastien Foucan, que se livrou de seu localizador transferindo-o para o padre.
A ideia é suficientemente estapafúrdia para nos despertar interesse, na linha dos posteriores longas da série A Noite do Crime (The Purge). De fato, deve interessar todo mundo que, como eu, adora jogos e suas variações no cinema.
O filme foi realizado antes do primeiro John Wick, ou seja, em alguns momentos de luta não entendemos direito o que acontece. A duração é enxuta, o que evita o cansaço das inúmeras cenas de luta filmadas e picotadas de qualquer jeito.
Nada muito marcante, mas é um filme que nos captura pelo jogo, pela necessidade de conhecer o vencedor, embora, convenhamos, num mundo desses, que comporta esse tipo de coisa, todos nascemos perdedores.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Vingança Entre Assassinos | The Tournament | 2009 | 95 min | Reino Unido, EUA, Bahrein | Direção: Scott Mann | Roteiro: Gary Young, Jonathan Frank, Nick Rowntree | Elenco: Robert Carlyle, Kelly Hu, Ving Rhames, Sebastien Foucan, Ian Somerhalder, Liam Cunningham, Craig Conway, John Lynch.