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A Baleia (filme)
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A Baleia

Avaliação:
9/10

9/10

Crítica | Ficha técnica

A obesidade chega aos cinemas, mais mórbida do que nunca, em A Baleia (The Whale), de Darren Aronofsky. Diretor, aliás, que sabe como retratar o lado obscuro da vida. O Lutador (The Wrestler, 2008), Cisne Negro (Black Swan, 2010) e Mãe! (Mother!, 2017) comprovam isso. Talentoso, esse cineasta novaiorquino consegue emocionar o público mesmo quando adapta uma peça teatral para as telas, como é o caso do filme desta crítica, baseado em obra do próprio roteirista Samuel D. Hunter.

A origem nos palcos é evidente no filme. Para começar, praticamente todas as cenas se passam dentro do apartamento do protagonista Charlie (Brendan Fraser), detalhe que reforça sua narrativa, pois esse personagem principal não sai de casa, por causa de sua obesidade. Mas, interage com alguns outros personagens, que se deslocam até sua moradia (como que para facilitar a montagem do cenário no teatro). E com eles Charlie contracena utilizando muitos diálogos, que sustentam toda a dramaticidade do enredo.

Sombrio e claustrofóbico

A Baleia apresenta um tom sombrio até um pouco antes da cena final. O apartamento parece claustrofóbico, pois as cenas quase que só se restringem à sala integrada com a cozinha. Sabiamente, Aronofsky adota o formato de tela 1.33 : 1, quase quadrado, próximo aos televisores antigos, o que torna ainda mais limitado o espaço pró-fílmico, assim enfatizando as proporções gigantescas do protagonista. A fotografia escura acentua esse tom sombrio.

Além disso, parece que sempre chove lá fora, um empecilho a mais para uma já quase impossível saída de Charlie, ainda mais porque o seu apartamento fica no segundo piso de um conjunto sem elevadores. Da mesma forma, a chuva representa um motivo adicional para que ninguém o visite.

Os visitantes

Entre os seus visitantes, a mais recorrente é Liz (Hong Chau), oficialmente sua enfermeira, mas que na verdade é sua amiga. O filme revela sua ligação íntima com Charlie logo na primeira metade, e se relaciona com a profunda perda que disparou o seu distúrbio alimentar. Entra em cena, também, Ellie (Sadie Sink), a filha de Charlie a quem ele não vê há nove anos, quando ele deixou a esposa para viver com um de seus alunos. É a última oportunidade para ele se conciliar com a garota, agora com 17. Porém, ela é arredia e rebelde.

Enfim, todos os poucos personagens do filme possuem sua importância narrativa. Até o entregador de pizza Dan, a quem Charlie só vê pelas sombras da janela, e com quem conversa gradativamente mais. A tentativa de aproximação desse rapaz, no entanto, se interrompe quando ele vê o aspecto físico de seu cliente. Para Charlie, a reação de Dan é a dura constatação do impacto que sua imagem tem nas pessoas.

Além destes, temos Thomas (Ty Simpkins), que abre o filme chegando de ônibus ao local, mas que entra na vida de Charlie por acaso. É o personagem mais difícil de acessar. Ele se apresenta como o divulgador de uma seita religiosa, justamente aquela que provocou indiretamente a tragédia na vida de Charlie. Porém, ele é um fugitivo tentando se eximir da sua culpa fazendo o bem a alguém. No caso, a esse obeso perto da morte que ele eventualmente vem a conhecer. Na narrativa, sua função, de verdade, é servir de pivô para que outra personagem Ellie, faça algo de bom – mesmo que sem intenção.

O protagonista

O primeiro terço de A Baleia visa apresentar o protagonista. Acima de tudo, o seu aspecto físico. Embora não seja uma exploração dessa doença crônica, o filme evita os meios-termos. Na primeira cena, mostra Charlie se masturbando assistindo a um vídeo erótico gay. E logo se sente mal, quase tem um ataque cardíaco, que Thomas consegue evitar quando bate à sua porta. Um pouco depois, Liz mede sua pressão, que está em níveis alarmantes.

Charlie só se locomove com o auxílio de um andador (e, depois, de uma cadeira de rodas), e não consegue nem se abaixar para pegar coisas no chão (por isso, anda com um extensor nas mãos). E, compulsivamente, ele come sem parar. Reforçando o que dissemos, o filme não tem intenção de atenuar o retrato. Assim, logo vemos Charlie sem camisa, com sua gigantesca barriga, sem contar as pernas tremendamente inchadas.

Para se transformar fisicamente em Charlie, o ator Brendan Fraser usou prostéticos enormes, maquiagem e ainda computação gráfica para chegar à essa aparência do personagem. Portanto, sua indicação ao Oscar, seus prêmios já conquistados e os elogios de público e crítica se devem não ao sacrifício físico, mas à sua atuação propriamente dita. Principalmente, pela última cena, a única em que vemos um sol brilhante pela porta do apartamento.

Spoilers adiante

E não é apenas a interpretação de Brendan Fraser que leva o público às lágrimas na cena final. O roteiro, inteligente, vai revelando aos poucos os detalhes da história de Charlie e dos outros personagens. Dessa forma, seus comportamentos, nada ortodoxos, se explicam nesse encaixar de relações interpessoais. Então, guarda para a conclusão o confronto entre Charlie e sua filha Ellie.

Como acontece nos melhores enredos, vemos o encaixe entre um elemento que surgiu na primeira sequência e um ponto que permeou toda a história. Encontramos, com isso, o aparentemente incoerente motivo de Charlie enxergar que sua filha, essa moça agressiva e atrevida, é uma pessoa maravilhosa. Ademais, o roteiro explora a profissão do protagonista para isso. Como professor de redação, Charlie consegue enxergar, por trás das palavras do texto que Ellie escreveu aos oito anos, os seus verdadeiros sentimentos. Essa composição, que lhe dava conforto sempre que precisava, e que lhe salvou a vida no início do filme, expõe o quanto ele a machucou. Mas já é tarde para Charlie evitar o suicídio, repetindo o que fez Allan, seu namorado. A única salvação possível é espiritual.

A baleia, do título do filme, não é Charlie, é Moby Dick da redação. Isso, numa leitura superficial da redação da menina. Na análise mais profunda do pai, é ele mesmo, pois Ellie descobriu a camada superficial da obra de Herman Melville. Ou seja, os capítulos mais chatos no livro são aqueles em que o autor descreve a baleia, a fim de esconder sua própria tristeza. E, concretamente, Charlie repetiu Melville; no caso, escondendo suas mágoas atrás de seu corpo.

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Ficha técnica:

A Baleia | The Whale | 2022 | 117 min | EUA | Direção: Darren Aronofsky | Roteiro: Samuel D. Hunter | Elenco: Brendan Fraser, Sadie Sink, Ty Simpkins, Hong Chau, Samantha Morton, Sathya Sridharan.

Distribuição: California Filmes.

Onde assistir no streaming:
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