O diretor islandês Baltasar Kormákur rapidamente migrou para a indústria norte-americana, onde realizou a maior parte de seus filmes. Entre eles, destacam-se o thriller policial Tráfico de Órgãos (Inhale, 2010) e dois filmes catástrofes: Evereste (Everest, 2015) e Vidas à Deriva (Adrift, 2018). A Fera (Beast) segue a linha desses últimos, das pessoas enfrentando as forças da natureza. Dessa vez, não são desastres como avalanches ou tempestades, mas animais selvagens.
A história acontece na África do Sul, daí a presença de Sharlto Copley, ator local que ganhou fama em Distrito 9 (District 9, 2009) e que, desde então, marca presença constante em produções americanas rodadas no seu país. Copley interpreta Martin, um morador sul-africano que recebe a família de sua recém-falecida amiga. Assim, o marido dela, o médico Nate (Idris Elba) quer aproveitar essa viagem para superar a perda junto com suas filhas adolescentes Mare (Iyana Halley) e Norah (Leah Jeffries). Mas, os poachers (caçadores clandestinos) estão provocando várias matanças na região. Quando um leão ferido inicia sua vingança após testemunhar a morte de seu bando, encontra os quatro protagonistas em seu caminho.
Planos longos
Desde o início de A Fera, chama a atenção o uso recorrente de planos longos. Sempre que a cena pede, ou permite, o diretor Baltasar Kormákur filma em plano-sequência. Com isso, obtém uma adequada sensação de desespero, refletindo que os personagens em cena não têm escapatória diante do feroz predador. Nas cenas da aldeia dizimada e da escola abandonada, esse recurso ainda provoca um efeito de labirinto, pois a câmera se locomove por corredores e outros espaços restritos. Enfim, trata-se de uma escolha ousada que vai contra a tendência de considerar que quanto mais planos curtos, melhor a cena de ação.
Mas, se Kormákur acerta nesse quesito, por outro lado deixa passar uma fotografia escura demais nas cenas noturnas. Aliás, a abertura pode levar muitos espectadores a desistir de assistir ao restante do filme, de tão mal iluminada.
Além da ação, A Fera traz um arco dramático forte sobre a relação entre Nate e sua filha mais velha Mare. Esta o acusa de ter provocado indiretamente a morte da mãe, pois o casal estava separado. E, se não fosse por isso, ele, como médico, poderia ter identificado a doença que a matou com antecedência. Nesse ponto, justifica-se a contratação de um ator do porte de Idris Elba, várias vezes indicado ao Emmy pelo seu papel na série Luther (2010-2019). Num filme de ação como este, poucas vezes temos uma cena intimista como a do diálogo entre Nate e Martin. Aqui, a situação soa convincente justamente por causa da atuação de Elba.
Cenas de ação
Quanto às cenas de ação, principal atrativo do filme, a maior parte delas empolga, mesmo com o evidente uso de computação gráfica para criar o leão. O confronto, no estilo gato e rato, entre um predador ensandecido e com força muito superior ao de suas presas humanas provoca um suspense consistente. Até mesmo os jump scares funcionam. Mas, a trama vende no início a ideia de que a fera possui um tamanho maior do que o normal, que sua pegada é gigante etc. Porém, o enredo abandona essa ideia ao longo do filme, e o confronto final, que envolve outros de sua espécie revela que ele não possui um tamanho absurdo. Então, por que o roteiro lançou essa ideia?
Por falar no final, a conclusão é a parte mais fraca desse confronto. Embora baseado numa justificativa racional, a solução para enfrentar o predador não convence. Como acontece muitas vezes, comete-se o erro de transformar o herói do filme, um simples médico, numa pessoa com força descomunal.
Em suma, A Fera apresenta personagens interessantes, com dramas pessoais fortes, muita ação, e um certo estilismo no uso dos planos-sequências. Porém, falha na conclusão. De qualquer forma, pelo menos, está acima da média do gênero.
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Ficha técnica:
A Fera | Beast | 2022 | 1h33 | EUA | Direção: Baltasar Kormákur | Roteiro: Ryan Engle | Elenco: Idris Elba, Sharlto Copley, Iyana Halley, Leah Jeffries, Mel Jarnson, Anzor Alem, Billy Gallagher, Dorian Hedgewood.
Distribuição: Universal Pictures.