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Amor, Sublime Amor (2021)

Avaliação:
10/10

10/10

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Crítica | Ficha técnica

A refilmagem de Steven Spielberg faz a joia Amor, Sublime Amor (West Side Story) brilhar para novos públicos. E, quando nos referimos a novos, não nos restringimos às gerações posteriores ao filme de 1961 dirigido por Robert Wise. Incluímos, também, aqueles espectadores que não conseguiram apreciar a peça musical através dessa versão para o cinema já naquela época em que foi lançada. Afinal, muita gente teve dificuldade para engolir as brigas dançadas do original, bem como para captar as críticas sociais inerentes à peça de Arthur Laurents. Além disso, hoje ninguém mais aceita aquele elenco de brancos com cara pintada de marrom interpretando latinos. Spielberg enxergou esses problemas, corrigiu-os e, ainda, se esmerou na direção e entregou um de seus trabalhos mais inspirados deste século.

Violência sem perfumes

Mesmo sendo um musical, o Amor, Sublime Amor de Spielberg mostra a violência sem perfumes. O filme de Robert Wise coreografava em forma de dança as brigas entre as gangues rivais, o que desagradou grande parte do público (principalmente nas décadas posteriores) mais acostumado ao cinema do que ao teatro e à dança. Nesta nova versão, a violência cheira a sangue. Logo no primeiro confronto, os Jets e os Sharks se atracam em coreografia, como sempre são as brigas nos filmes, mas sem os trejeitos dançantes. Por exemplo, um dos jovens acerta o rosto de um adversário com um golpe com uma lata de tinta. O sangue que jorra constata que a violência é real nessa história, não importa o seu gênero cinematográfico. Logo, minutos depois, um jovem Jet tem sua orelha perfurada por um prego!

Mas, isso não significa que testemunhemos detalhes explícitos de brutalidade, pois essa não é a intenção. O que Spielberg pretende evitar é que as lutas aparentem bailes. Afinal, um dos temas que a obra levanta reside na discussão da violência, que, na trama (e na própria vida) provoca tragédias. No embate derradeiro entre as duas gangues, isso fica ainda mais evidente. E, Spielberg dirige essa cena como se rodasse um filme de ação, com resultado empolgante.

Críticas sociais evidentes

Spielberg não se apoia somente nas letras das músicas para expor as contundentes críticas sociais contidas na peça de teatro. Sem cerimônia, insere falas que evidenciam o olhar questionador sobre o racismo e o capitalismo. Assim, o policial aplica um severo sermão nos Jets, afirmando que os imigrantes europeus que chegaram àquele bairro prosperaram e se mudaram para áreas mais nobres de Nova York. Então, sobraram os perdedores, que eram os desajustados, os desonestos ou, simplesmente, aqueles sem sorte. São esses os pais dos Jets, jovens delinquentes que saem às ruas em busca de arruaça.

E, esse bairro que está em processo de demolição representa o destino de uma nova leva de imigrantes, os latinos. O filme se concentra na comunidade porto-riquenha, que ocupa o local decadente em busca do sonho americano. Mas, durante a música “America”, descobrimos que apenas as mulheres sustentam essa esperança. Os homens rebatem essa ideia argumentando que as oportunidades são escassas para os não-caucasianos.

Desilusão

Os eventos trágicos da trama, no entanto, quebram essa ilusão das moças latinas. Anita (Ariana DeBose) sofre com a morte do namorado, e enfrenta um ataque em grupo dos Jets que a querem estuprar. Por isso, declara que ela não é americana, e sim porto-riquenha, abandonando definitivamente o seu sonho. Então, num momento de fúria, conta uma mentira que leva a outra tragédia.

O tom sombrio marca o final do filme. Após a morte derradeira de um dos personagens principais, a protagonista Maria (Rachel Zegler) sucumbe ao ódio, que prevalece sobre o amor que a motivou durante toda a história. Sentimos que a perda assombrará definitivamente a sua vida, bem como a de todos os jovens, sejam Jets ou Sharks. Simbolicamente, decreta que o racismo continuará a atormentar a vida nos Estados Unidos, como de fato acontece até hoje.

Rita Moreno, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por Amor, Sublime Amor (1961), agora interpreta uma personagem emblemática para esse comentário social. Ela vive Valentina, uma senhora latina que foi casada com o branco Doc, já falecido. Valentino assumiu a loja do marido, e pratica atos em prol do convívio pacífico da diferentes etnias no bairro. Nesse sentido ela, emprega Tony (Ansel Elgort), o ex-Jet que se encontra em liberdade condicional após ser preso por agredir um porto-riquenho, ajudando-o a conseguir sua redenção.

Elenco apropriado

A dupla de protagonistas de Amor, Sublime Amor (2021) apresenta um grau de celebridade oposto ao daquela do filme original, que trazia a consagrada Natalie Wood formando par com o menos conhecido Richard Beymer. Agora, Ansel Elgort faz Tony, após ganhar fama com a franquia Divergente (2014/2015/2016), e longas como A Culpa é das Estrelas (2014) e Em Ritmo de Fuga (2017). Já o papel de Maria está nas mãos da estreante Rachel Zegler. E, uma das fortalezas dessa nova versão consiste no uso das vozes dos próprios atores nos trechos cantados, diferentemente do que aconteceu no longa de 1961. Aliás, Rachel Zegler nos surpreende quando canta brilhantemente o primeiro verso de “Balcony Scene (Tonight)”.

Contudo, o que mais impacta nessa nova versão é a utilização exclusiva de atores com descendência latina para os personagens dessa etnia. De fato, apesar de Natalie Wood ser uma atriz fantástica, sua escalação como Maria foi uma péssima escolha, e um dos fatores de objeção àquele filme. Além dela, outros atores estavam descaradamente usando o “brownface”, ou seja, maquiagem para escurecer suas peles brancas.

E, com essa escalação apropriada, o filme de Spielberg pode contar com várias falas no idioma espanhol, que não são legendadas na distribuição norte-americana. Lembrando que as filmagens aconteceram durante o mandato de Donald Trump, marcado por medidas contra imigrantes, a mensagem de inclusão étnica possui relevância indiscutível.

A direção de Spielberg

Steven Spielberg volta a ser o cineasta talentoso que marcou suas maiores obras-primas, como Tubarão (1975), E.T.: O Extraterrestre (1982) e A Lista de Schindler (1993), entre outras. Sem dúvida, realiza uma versão muito mais cinematográfica do que a de Robert Wise, que bebia demais da fonte teatral. Já na abertura, apresenta um apuro visual exclusivo da tela grande, com a câmera voando sobre o bairro parcialmente demolido onde a história acontecerá. No baile, um plano-sequência acompanha o grupo de personagens latinos entrando no salão, onde depois se desenrola um duelo de dança que prenuncia a tragédia posterior. O primeiro encontro entre Maria e Tony, filmado de forma diferente da original, mostra o casal se conhecendo atrás de uma arquibancada, mas ainda emulando os passos de dança do filme de 1961.

Já a cena da sacada, aquela que mais aproxima a peça da sua fonte inspiradora (“Romeu e Julieta” de Shakespeare), praticamente repete o que vimos antes. Porém, a performance de “One Hand, One Heart”, que se aproxima de uma cerimônia de casamento, agora acontece, acertadamente, num ambiente muito parecido com o de uma igreja, filmada em um museu, com uma luz etérea entrando pelo vital por trás do casal. Aliás, fica a dica de um tema que se encaixa perfeitamente num casamento religioso.

A assinatura do autor

O apuro visual de Spielberg salta aos olhos, também, em detalhes como aquele no qual o varal de roupas se movimenta para destacar a pessoa que está cantando. Ou então, as longas sombras que dão um pequeno toque noir na cena fatídica do embate dos rivais no galpão que estoca sal. E, estreando no gênero musical, o cineasta orquestra um grandioso número durante a apresentação da canção mais conhecida da peça: “America”. Por outro lado, o fundamento básico das cenas paralelas funciona perfeitamente contrapondo as gangues se dirigindo para a luta, enquanto Maria sonha esperançosa com o encontro com o seu amor, cada qual com seu devido tema.

Por fim, firmando a assinatura de Spielberg, identificamos a sua obsessão pelo uso de círculos, anotada por Clélia Cohen no seu livro “Steven Spielberg”, publicado pela Cahiers du Cinéma, em 2007 (pág. 73). Em Amor, Sublime Amor, o círculo do letreiro da loja de Valentina enquadra Tony, enquanto o círculo do painel da cama faz o mesmo com Maria, em cena posterior. São trechos distantes uns dos outros no filme, mas que antecipam a união entre os dois personagens.

A assinatura demarca a autoria de um cineasta cujo talento tem sido contestado por obras recentes sem maior impacto. Talvez faltasse a inspiração da novidade, que esta incursão inédita no musical finalmente resgata. Seja qual for o motivo, Amor, Sublime Amor traz de volta o Spielberg genial que esperamos há anos.


Amor, Sublime Amor (2021)
Amor, Sublime Amor (2021)
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