Anton: Laços de Amizade apresenta a realidade pouco abordada no cinema da convivência entre alemães e judeus na Ucrânia. A estória se passa um pouco antes da Primeira Guerra Mundial, quando o país sofre a opressão do exército de Leon Trótski.
O enredo
O elemento que abre e fecha o filme é a amizade entre dois garotos, o judeu Jakiv e o alemão Anton. Jakiv era hostilizado por alguns colegas germânicos, mas Anton sempre o defendia. Juntos, eles testemunham os bolcheviques se aproveitando dos moradores da pequena comunidade onde vivem. Mas, não compreendem de fato o que se passa, pois são ainda crianças. Nem mesmo o assassinato do seu pai diante de seus olhos é suficiente para que Anton identifique a maldade por trás dos uniformes soviéticos. E Jakiv não percebe que seu pai atua nesse conflito como um delator. A imaturidade da infância abre as portas para que erros sejam cometidos sem intenção. O erro desses dois meninos será gravíssimo e acarretará numa tragédia para a comunidade.
Análise
O diretor Zaza Urushadze nasceu na Georgia, país que também foi incorporado à URSS pelo Exército Vermelho. Por isso, seu ponto de vista a respeito dos bolcheviques está refletido em Anton: Laços de Amizade, que os retrata como cruéis usurpadores. Porém, mesmo esses vilões recebem uma parte do protagonismo no filme. Ou seja, quando vemos Trotski e sua namorada, a violenta comandante Dora, em uma cena íntima.
Essa abordagem distributiva de protagonismo no filme permite ao espectador transitar entre os diferentes pontos de vistas naquele ambiente em ebulição. Conhecemos um pouco do que sentem os alemães da família de Anton, os judeus Jakiv e seu pai, os moradores locais rebeldes, bem como os próprios bolcheviques. Mas isso não significa que exista imparcialidade nesse retrato. O filme não deixa dúvida que os trotskistas são os vilões. E o judeu representado pelo pai de Jakiv só para de agir como um delator depois que descobre que os russos querem matá-lo.
Superficialidade
Por outro lado, essa fragmentação da narrativa entre os vários personagens resulta na superficialidade deles. Somos apresentados às suas ações, mas não nos é permitido entender suas motivações, salvo as mais óbvias. É como se todos os moradores locais fossem movidos apenas pelo instinto de sobrevivência. O filme indica que eles aceitariam ter suas colheitas apropriadas pelos bolcheviques, desde que os deixassem vivos. Quando os rebeldes se juntam para reagir, o discurso é somente de sobrevivência e não ideológico.
Resta ainda a narrativa particular da experiência vivida pelos meninos Anton e Jakiv. Aliás, o título do filme, sua abertura e sua conclusão indicam que esse seria o fundamento de Anton: Laços de Amizade. E essa ideia poderia ter gerado um filme poderoso, onde a amizade dos meninos ganharia relevância pelo tempo em que brincavam juntos na vila. Contudo, sedimentada pela angústia acumulada nos anos posteriores ao erro que cometeram. Afinal, indiretamente, eles provocaram a morte de seus vizinhos. E isso certamente geraria um sentimento difícil de superar quando eles se tornaram conscientes do fatídico ato. Além disso, isso se somaria ao nazismo que colocaria a amizade deles em cheque. Porém, o filme apenas resvala nesse aspecto quando Jakiv descobre que Anton lutou pelo exército nazista.
Enfim, Anton: Laços de Amizade desperdiça esse recorte possível. Então, resta apenas um filme correto que justifica uma atenção por retratar uma realidade poucas vezes abordada na tela.
___________________________________________
Ficha técnica:
Anton: Laços de Amizade (Anton, 2019) Ucrânia/Georgia/Lituânia/EUA/Canadá. 102 min. Dir: Zaza Urushadze. Rot: Dale Eisler, Zaza Urushadze, Vadym Yermolenko. Elenco: Natalia Ryumina, Juozas Budraitis, Vaiva Mainelyte, Simson Bubbel, Regimantas Adomaitis, Sergey Denga, Pavlo Shpegun, Vladimir Levitskiy, Mykyta Dziad, Nikita Shlanchak, Anastasiia Chudna, Sebastyan Anton, Oleg Simonenko, Bogdan Parshakov, Tetiana Grachik, Pavlo Strakhnytskyi, Georgii Vechkanov.
