O longa histórico As Órfãs da Rainha, de Elza Cataldo, faz sua pré-estreia em São Paulo no próximo dia 16 de agosto, dentro da programação do 26º Festival de Cinema Judaico. E, no dia seguinte, entra em cartaz nos cinemas da capital paulista.
As Órfãs da Rainha teve uma passagem bem-sucedida em alguns festivais internacionais de cinema. No Toronto International Women’s Film Festival, o filme recebeu o prêmio de Melhor Filme Histórico. Conquistou, também, o prêmio de melhor narrativa no Los Angeles Independent Women Film Awards. Além disso, a produção foi selecionada para o Washington Jewish Film Festival 2023. No Feedback Female Film Festival 2022, conquistou o título de Melhor Filme de Longa-metragem.
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Crítica do filme
Colonização
As Órfãs da Rainha se passa no início da colonização do Brasil, no final do século 16. Na trama, três irmãs órfãs, Leonor (Letícia Persiles), Brites (Rita Batata) e Mécia (Camila Botelho), criadas como católicas pela rainha de Portugal, chegam aqui a contragosto.
Leonor assume a narração em voz off, dando oralidade às cartas que escreve para a rainha suplicando por um retorno. Com o tempo, ela aceita o judaísmo do marido, aprende a amá-lo e ainda conquista a sogra.
Brites não tem a mesma sorte. Seu marido é abusivo, e ele fica ainda mais agressivo porque ela não consegue engravidar.
Mécia não tem direito a um marido, por conta de uma deficiência no pé. Fica sob os cuidados do padre da vila, mas conhece um rapaz indígena e se apaixona por ele.
Toda essa adaptação das jovens mulheres a essa vida mais primitiva da colônia ocupa os primeiros dois terços do enredo. O dia a dia desse processo tem seus momentos mais emotivos. Porém, de maneira comedida. Por exemplo, a agressão a Brites acontece fora do quadro, bem como o estupro de Leonor. Nesse sentido, As Órfãs da Rainha se aproxima do cinema anticlimático de Kelly Reichardt, inclusive na conclusão que evita o costumeiro pico dramático. A similaridade se acentua mais ainda porque a cineasta estadunidense também filmou os pioneiros de seu país – em O Atalho (Meek’s Cutoff, 2010) e First Cow (2019).
Inquisição
O retrato do novo cotidiano das chamadas órfãs se justifica no terceiro ato, quando o que vimos serve de acusação ou defesa perante o Inquisidor português que chega ao Brasil. A Igreja pretende punir duramente os que não são católicos, em especial os judeus, e os que buscam crenças alternativas. Para todos esses, a condenação é a morte na fogueira. Além de denunciar essa prática terrível que alcançou as nossas terras, o filme ainda lança uma visão crítica sobre a moralidade humana, que entrega os seus semelhantes para se salvar. Esse acontecimento indesejado, porém, surte um efeito libertador para as protagonistas, que seguirão rumos diferentes.
A direção
À parte o tema, a diretora Elza Cataldo, junto com sua equipe e elenco, realiza uma obra diferenciada. Com belos enquadramentos, movimentos suaves de câmera, e reconstituição de época impecável por parte da direção de arte, figurinos e locações, o filme nos transporta para o tempo e o espaço da trama, uma viagem fílmica necessária para provocar as sensações que o roteiro descreve. Como dissemos, os momentos dramáticos estão suavizados, talvez com o objetivo de permitir que nós compartilhemos dessa vida colonial tão distante de nossa realidade.
Mas Elza Cataldo não se acomoda dentro dos limites do cinema clássico. Assim, até causam estranheza as inserções inesperadas de efeitos de computação gráfica. O primeiro uso da CG é positivo, pois materializa insetos e répteis na parede da nova casa de Brites conforme a narração que ouvimos. Já outros usos são necessários. Nesse grupo, entram o porco do mato que leva a criança indígena e a borboleta levada para uma das órfãs. O resultado, nesse caso, é apenas satisfatório, pois deveriam ser mais reais. Por fim, há ainda a CG que dá vazão à poesia e ao fantástico. Aí entram a onça estilizada e as flores que Brites pintava enfeitando as paredes da igreja. Não são efeitos indispensáveis, e nem provocam uma facilitação de significados ou sensações que os justifique.
Enfim, deixando de lado essas inserções visuais, o que mais encanta em As Órfãs da Rainha, e já afirmando que é um filme encantador, é o recorte histórico da Inquisição no Brasil colonial e a produção belíssima que recria esse nosso passado com autenticidade. Por fim, a abordagem reichardtiana completa com um toque diferenciado no aspecto dramático.
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Ficha técnica:
As Órfãs da Rainha | 2022 | Brasil | Direção: Elza Cataldo | Roteiro: Elza Cataldo, Pilar Fazito, Newton Cannito | Elenco: Letícia Persiles, Rita Batata, Camila Botelho, César Ferrario, Alexandre Cioletti, Jai Baptista, Celso Frateschi, Juliana Carneiro da Cunha, Teuda Bara, Inês Peixoto.
Distribuição: Cineart Filmes.
Trailer aqui.
Crédito fotos: Jonathas Marques Abrantes (divulgação)