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Batata (filme)
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Batata | Por Solange Peirão

Avaliação:
7/10

7/10

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Crítica | Ficha técnica

Durante dez anos, a cineasta Noura Kevorkian, de origem armênia e radicada no Canadá, acompanhou um acampamento de refugiados sírios. O registro resultou no ótimo documentário Batata. Porém, é falho considerar que o filme trata unicamente de refugiados, pois, entre 2009 e 2019, sua história mudou radicalmente.

Nos primeiros anos, esses sírios formam um grupo de migrantes sírios, que atravessam a fronteira em direção ao Líbano, e permanecem como trabalhadores rurais, entre os meses de fevereiro e outubro, retornando às suas casas após a colheita.

O proprietário das terras é o libanês Mousa, que por mais de vinte anos recebe os sírios da família Jamil em seus campos de plantação de batatas. Maria é a filha do patriarca sírio, e o documentário está centrado nela e em Mousa, ambos narradores principais dessa história de amizade e superação. Superação sim, já que a partir de 2012 a guerra civil vai se agravando na Síria, dificultando, até impedir, o retorno dos trabalhadores.

Estabelecidos nesse acampamento, antes temporário, os trabalhadores migrantes se transformam, a partir de então, em refugiados. Mesmo assim, Mousa sempre mantém uma relação afetiva intensa com a comunidade. Afinal, ele e Jamil, seu empregado, cresceram juntos no negócio.

A guerra na Síria representa a desagregação e destruição do país, mas também a falência de muitos no Líbano, inclusive Mousa. Os dois países, vizinhos de fronteira, com laços históricos comuns, sempre viveram com trânsito intenso entre suas populações, e com lances de dominação velada, sobretudo da parte da Síria sobre o Líbano. Não esqueçamos que, entre 1975 e 1990, a guerra civil destroçou o Líbano. A partir de então, sua reconstrução foi acontecendo, com o braço de influência da família dos governantes sírios Hafez e Bashar al-Assad, pai e filho, sobre o país.   

Mudanças para pior  

A filmagem, que se desenrola durante um período tão extenso, permite acompanhar a tragédia na mudança de status desse grupo, na medida em que, inclusive, uma grande parte dos parentes da família Jamil chega e engrossa o acampamento. Então, aí se estabelecem, sempre perseguindo o sonho da evasão para a Europa e para a América, em busca de melhores condições de vida.

Na medida em que passam os anos, fica clara a mudança nas condições de vida dos moradores, para pior. O clima de tristeza e desesperança se abate sobre eles. Contrasta a beleza, o colorido dos tecidos que recobrem paredes, chão e estofados nas barracas com a falta de condições sanitárias e de higiene. Esta piora com o aumento gradual da população no acampamento, e com os impasses políticos de uma guerra que se estende e se agrava. No entanto, muito pior, sem dúvida, é assistir a homens que atravessam os dias sem ocupação e crianças que crescem, sem possibilidade de acesso à educação formal. 

Para se ter uma ideia, 1,5 milhões de sírios refugiados se estabeleceram no Líbano, a maior taxa per capita no mundo que se tem notícia, até agora. É como se os EUA recebessem 80 milhões e a Europa 125 milhões de refugiados.  

As mulheres

Curioso é também registrar o papel das mulheres na comunidade de um povo de tradição bastante machista. Aqui elas não estão desocupadas: geram e cuidam dos filhos, cuidam dos afazeres domésticos e ainda trabalham no campo. E sofrem. Sofrem muito com a condição de refugiado de seus pares, e com a devastação de seu país que acompanham pela TV, sempre ligada nas barracas.  

Maria é a força feminina sobre quem se debruça o documentário. Ela sustenta a comunidade para que não se desespere a ponto de se autodestruir. Para ser esse sustentáculo, abre mão de seus sonhos de juventude. Em 2009. Maria é uma jovem mulher, esperançosa, alegre e bonita. Mas, encerra o documentário, em 2019, marcada pelo cruel destino que a vida lhe apresentou. Não guarda esperança pelo retorno, só resignação. Mesmo que declare, a certa altura, o prazer que lhe dão as canções nacionalistas da infância, que os refugiados continuam entoando: “Síria, amada, você me dá minha dignidade, você me dá minha identidade”.

No quadro das tomadas gerais, que permitem acompanhar a beleza das paisagens, e os closes focados, que expõem o sentimento que vai pela alma das pessoas, há um reparo. Um trabalho de edição mais rigoroso teria sido útil. Permitiria manter o espectador mais sintonizado com o espírito de denúncia das misérias e das grandezas que acometem as populações de refugiados.

Mas, acima de tudo, Batata é um documentário urgente, necessário.

Texto de autoria de Solange Peirão, historiadora e diretora da Solar Pesquisas de História.


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