O documentário Belchior – Apenas um Coração Selvagem reúne material sobre o cantor e compositor da MPB que nasceu no Ceará em 1946 com o nome Antonio Carlos Belchior Fontenelle Fernandes. Falecido em 2017, Belchior conduz o filme através de uma compilação de entrevistas que ele registrou durante sua vida. Parte delas trazem áudio e vídeo, mas algumas apenas a voz, em cima de fotos. Além disso, podemos conferir o músico em ação, seja em apresentações ao vivo ou em programas de televisão.
Acima de tudo, notamos em Belchior – Apenas um Coração Selvagem o esforço de garimpagem para reunir esse raro material de um artista que gravou seu primeiro disco em 1974. Para seus fãs, é certamente um deleite ver ou rever seu início de carreira, quando despontou nos festivais universitários, na virada da década. Já quem o conhece somente pela fase final, quando lançou sucessos como “Medo de Avião”, descobrirá um artista muito mais valioso. Culto, cursou a faculdade, a escola de padres, e obteve uma formação musical diversa, através dos alto-falantes públicos de Sobral, onde nasceu e foi criado. Notamos nas canções de Belchior melodias desconcertantes, que evitam o óbvio, e ainda versos que desafiam a métrica da estrutura do tempo musical.
Além disso, Belchior era um poeta com versos “sem metáforas”, como ele próprio afirma. Em raros trechos produzidos especialmente para este documentário, o ator Silvero Pereira interpreta o que Belchior escreveu, em bem-vindas quebras da sucessão de material de arquivo. Logo, seu talento como compositor chamou a atenção de Elis Regina, que gravou duas canções antológicas de Belchior: “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida”.
A busca do novo
Por outro lado, a atuação política de Belchior também tem lugar no filme. O músico participou ativamente dos comícios a favor da democracia. Desde o início, suas músicas buscavam mobilizar, contando com um tom melancólico que logo foi apelidado de “música do desespero”, nos anos 1970. “Aquele sonho acabou. Qual será o próximo sonho?”, pergunta o artista em certo momento do documentário. Segundo seus depoimentos, ele sempre “buscava o novo”, e não o olhar ao passado. E esse argumento ele até utiliza para defender-se das críticas negativas às músicas da sua fase final, em especial quando confrontado no programa “Vox Populi” da TV Cultura.
No entanto, Belchior – Apenas um Coração Selvagem deixa a frustrante impressão de um trabalho exclusivamente de compilação. Exceto pelos trechos com Silvero Pereira, o documentário não apresenta material novo. Sentimos falta da “busca pelo novo”, parafraseando o próprio retratado. Por que não trazer depoimentos, talvez esclarecedores, de artistas que conviveram com Belchior? Ou de especialistas analisando o melhor de sua obra, aos olhos de hoje? Ademais, o filme não inclui (à parte algumas rápidas manchetes de notícias) o desaparecimento do cantor em 2009, que poderia aqui ser finalmente desvendado. Por fim, ainda deixa em aberto a morte de Belchior, que sequer ganha menção.
Em suma, Belchior – Apenas um Coração Selvagem revela o artista para quem não o conhece tão bem. Mas, está longe de ser o documentário definitivo sobre Belchior.
O documentário está na seleção do 27º É Tudo Verdade, que acontece entre 31 de março e 10 de abril de 2022.
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Ficha técnica:
Belchior – Apenas um Coração Selvagem | 2022 | Brasil | 90 min | Direção: Camilo Cavalcanti, Natália Dias | Com Silvero Pereira.
Foto: divulgação/Acervo Globo