Pesquisar
Close this search box.
Beleza Eterna (filme)
[seo_header]
[seo_footer]

Beleza Eterna

Avaliação:
8/10

8/10

Crítica | Ficha técnica

Beleza Eterna conduz o espectador a um mergulho profundo no impenetrável mundo da depressão e esquizofrenia.

Essencialmente, exceto por um breve trecho na parte final do filme, quando a irmã da protagonista entra no quarto da mãe doente, todo o restante de Beleza Eterna segue a perspectiva de Jane. Essa personagem, interpretada por Sally Hawkins, sofre de depressão e não consegue distinguir a realidade das visões paranoicas que a atormentam.

E uma dessas recorrentes visões serve para apresentar a personagem no início do filme. Desta forma, o telefone público na rua toca e ela atende, e imagina que conversa com o noivo que não apareceu no dia do casamento. Assim, surge a deixa para que ela relembre esse fato que a traumatizou para sempre, principalmente diante da imediata reação da sua mãe, cuja primeira preocupação foi a vergonha que sentiu.

Família

Posteriormente, o filme reforça o quanto a atitude da família, em especial a da mãe, pesa na doença de Jane. Além de não prover com o apoio e conforto que a filha precisa nesse momento difícil, ela foca suas atenções na irmã Nicola. Por exemplo, o vestido de Jane para o concurso de beleza é transferido para a irmã, enquanto Jane mergulha cada vez mais na depressão. Além disso, na época, Jane é internada e submetida a tratamento com choques elétricos, o que só agrava sua situação.

Atualmente, a família de Jane continua indiferente e até agressiva com ela, intolerantes com o seu comportamento imprevisível. Apenas a outra irmã, Alice, demonstra afeição por Jane.

Eventualmente, surge uma oportunidade para Jane construir um novo relacionamento, quando ela conhece o músico desempregado Mike, que também sofre problemas de comportamento. Aliás, uma montagem com cenas da evolução desse namoro, embalados por um rock antigo, representam o único momento de Beleza Eterna com um tom mais leve. Os efeitos positivos desse amor tardio, porém, se revertem em uma piora absoluta do estado de Jane, quando Nicola põe tudo a perder.

A direção

Sob outro aspecto, o jovem diretor Craig Roberts realiza aqui seu segundo filme na função, sendo mais conhecido como ator. Roberts, que também escreveu o roteiro de Beleza Eterna, recorre a vários recursos para ilustrar o conturbado estado mental da personagem principal. Nesse sentido, na festa à fantasia, as alucinações de Jane ganham bizarrice com os jump-cuts (cortes abruptos que quebram a linearidade da ação), movimentos rápidos e enquadramentos tortuosos.

Adicionalmente, na sequência do agravamento da esquizofrenia de Jane, após a nova desilusão amorosa, além da impactante atuação de Sally Hawkins, a direção acertada de Craig Roberts mostra a personagem espiando através de um buraco imaginário na parede. E, mais impactante ainda, vemos a parede do apartamento se fechando e empurrando Jane para a escuridão. E essas opções se encaixam com o tema do filme, e, portanto, são válidas.

Além disso, vale a pena prestar atenção nos detalhes em Beleza Eterna. Por exemplo, Jane costuma imaginar uma locução de rádio dando conselhos para sua depressão. Alguns são absurdos, como aqueles que estimulam o suicídio, mas um deles toca a essência da luta de Jane para se ajustar à vida. E se refere a não combater a esquizofrenia, mas aprender a conviver com ela.

Análise

Analogamente, isso está refletido nas águas sujas espalhadas ao longo do filme, presentes nos copos e até no bebedouro no consultório médico. Quem bebe essas águas sujas são as pessoas normais. De fato, Jane só as toma quando precisa ingerir os medicamentos que lhe são receitados. Em outras palavras, a metáfora dessa situação revela que as drogas tentam tornar Jane normal, mas que o normal pode não ser tão bom assim.

Por outro lado, um detalhe essencial é o quadro com uma pintura de uma pessoa entrando no mar. Ele aparece no consultório, e é até objeto da conversa do médico com Jane. Depois, durante o filme, ele ressurge discretamente, na casa da irmã boa, Alice, e no quarto da mãe doente. Na parte final, ele está mais evidente e retorna no consultório, mas com um detalhe diferente.

Azul

Então, a explicação sobre o quadro depende antes de ressaltar o uso das cores em Beleza Eterna. O apartamento de Jane possui as paredes verdes que representam sua solidão e seu estado mental doentio. E essa situação até remete à cor da moradia da personagem que a mesma atriz Sally Hawkins interpretou em A Forma da Água. Depois, no final do filme, quando Jane assume uma outra abordagem em relação a sua vida, as paredes do seu apartamento estão pintadas de azul.

Adicionalmente, azul também é a cor do líquido que Jane bebe normalmente, diferente da água suja das pessoas normais. E é a cor do vestido que ela usou quando jovem no concurso de beleza, e que depois foi transferido para a irmã má, Nicola. Quando o quadro aparece no final, no consultório, a pessoa na pintura está agora com uma roupa azul, e não mais bege como antes. O provável simbolismo é que Jane queria o amor da sua família, representado pelo quadro, presente na casa da irmã boa e da mãe. Porém, ela só consegue entrar no quadro quando ela compreende que não precisa mudar seu jeito para estar nele.

Libertação

Por fim, essa libertação de Jane acontece somente após a morte da mãe. O filme não revela, mas pode ser que a ausência da mãe é que lhe permite se sentir livre. Ou pode ser que ela surge quando Jane ouve de sua mãe qual é o propósito de sua vida – detalhe que o espectador não vê.

Mas o que fica evidente é que Jane aprende a conviver com sua doença, e confirma isso ao dizer ao médico que “o normal é entediante”. Ela encontra seu lugar no quadro, mas mantendo suas condições, representadas pelo azul que agora colore a roupa da pessoa na pintura. Nesse sentido, a cena com o fotógrafo manifesta que ela agora pensa nela mesmo, e não na busca infrutífera pelo carinho dos outros.

Por um lado, assistir a Beleza Eterna pode ser uma experiência desconfortável, pois a narrativa foca essencialmente em Jane e suas dolorosas alucinações. Mas a direção inventiva, sem exageros, de Craig Roberts, e a atuação poderosa de Sally Hawkins, tornam o filme obrigatório para quem aceita vivenciar com proximidade os efeitos da depressão e da esquizofrenia.    

 


Ficha técnica:    

Beleza Eterna (Eternal Beauty, 2019) Reino Unido. 95 min. Dir/Rot: Craig Roberts. Elenco: Sally Hawkins, David Thewlis, Billie Piper, Penelope Wilton, Morfydd Clark, Alice Lowe, Ashley McGuire, Banita Shandu, Natalie O’Neill.

Sony Pictures

Onde assistir:
Beleza Eterna (filme)
Beleza Eterna (filme)
Compartilhe esse texto:

Críticas novas:

Rolar para o topo