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Carvão (filme)
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Carvão

Avaliação:
7.5/10

7.5/10

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Crítica | Ficha técnica

Carvão, longa-metragem de estreia da diretora e roteirista Carolina Markowicz, traz uma instigante variação do mal que entra no lar de uma família. Nesse caso, como sinal dos tempos, uma família que não é perfeita e que possui seus segredos e defeitos. Nesse sentido, o prólogo antes dos créditos é emblemático, e remete ao cinema clássico. Lembra a fumaça negra da locomotiva que chega à cidade em A Sombra de uma Dúvida (Shadow of a Doubt, 1943), de Alfred Hitchcock, trazendo um assassino a bordo.

A primeira cena do filme de Markowicz traz o movimento da câmera para frente se aproximando da janela de uma casa pobre do interior. Lá dentro, conhecemos Irene, seu filho de nove anos e o pai dela que está doente e inconsciente. Então, chega o mal, encarnado na enfermeira do posto de saúde. Logo percebemos que o filme não pretende ser ingênuo. Ao invés de dar falsas esperanças sobre a recuperação do idoso, ela confessa que ele só vai piorar. Segue-se uma proposta que não ouvimos, e a cena corta para a enfermeira partindo, com a câmera dentro de seu carro se afastando da casa. Durante o filme, perceberemos que a semente do mal já foi plantada nessa visita.

Não nos deixeis cair

Há uma resistência de Irene em cair nessa tentação. É na religião que ela busca um aval, e a conversa com o padre lembra muito o cinema italiano, povo com fé católica semelhante à nossa. Claro que não recebe uma aprovação, mas o que ouve é suficiente para ela seguir em frente. Como compensação, promete que voltará a contribuir com os dízimos, e o padre concorda que a igreja está em dificuldades financeiras. Essa cena se encerra com um plano geral da igreja, para cinicamente mostrar que o local está impecável. A religião, ou a culpa cristã, volta em outros momentos, nos quadros sacros no mesmo plano do uso de drogas ou de um assassinato e, no final, numa missa. Esse lado místico se contrapõe ao racionalismo da trama racional e maquiavélica da enfermeira, simbolizada pela arquitetura arrojada com linhas retas do posto de saúde.

O momento de maior suspense do filme é hitchcockiano. Uma vizinha, simplória interiorana, faz uma visita surpresa a Irene, e faz perguntas sobre o pai doente, que já não está mais na casa. A vizinha insiste em visitá-lo, sem saber que no quarto dele está agora o hóspede que é o pivô de todo o esquema criminoso, um chefe do tráfico. O humor negro, típico do mestre do suspense inglês, está presente na demora dela em ir embora, arriscando assim descobrir o segredo de Irene.

O sexo e outros temas

O sexo no filme é um elemento que deixa essa história atual. Da parte de Irene, existe um inusitado interesse pelo hóspede, gerando alguns pequenos alívios cômicos nesse enredo. Por exemplo, quando ela espia pela janela, ou capricha no seu visual, e até coloca uma foto dela jovem com o título de “Miss Lobisomem de Joanópolis”. Porém, a contemporaneidade revela o motivo desse ardor e, também, de sua frustração. Afinal, o seu marido tem seus segredos, bem como esse traficante. Na verdade, é um elemento acessório, mas que enriquece a trama.

Há ainda espaço para o subtema social. O hóspede é um argentino rico, e ele logo despreza a ignorância e a falta de modos da família que o recebe. Isso tudo tornará a conclusão ainda mais surpreendente, talvez até com um sentido de vingança dos pobres contra os ricos.

Por fim, vale ainda destacar o belo uso imagético dos fornos de carvão da família protagonista. As chamas remetem ao inferno e, de fato, elas são executoras e cúmplices dos crimes que acontecem nessa narrativa. As cenas do primeiro assassinato são muito bem filmadas, com a câmera se movimentando lateralmente aos personagens com as fornalhas ardendo ao fundo. No momento crucial, a violência fica fora do quadro. No final, o assassinato é explícito, mas a ocultação do corpo fica em elipse, ou melhor, em metáfora.

É verdade que a trama de Carvão não sobrevive a um escrutínio rigoroso (por que demoraram tanto tempo para executar o plano? – é uma das questões). Mas, não importa, pois o filme é uma agradável surpresa de um filme hitchcockiano que surge do interior de São Paulo. Pois é, a partir de agora lobisomem não é o único assunto sinistro de Joanópolis.

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Ficha técnica:

Carvão | 2022 | 107 min | Brasil | Direção e roteiro: Carolina Markowicz | Elenco: Maeve Jinkings, César Bordón, Jean Costa, Camila Márdila, Romulo Braga, Pedro Wagner, Aline Marta.

Distribuição: Pandora Filmes.

O filme Carvão estreou no Festival do Rio de 2022, do qual saiu com os troféus Redentor de Roteiro, Atriz Coadjuvante (Aline Marta) e Direção de Arte (Marines Mencio). Em seguida, o filme entrou na programação da 46ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Onde assistir:
Carvão (filme)
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