Quem é Clara Sola? O filme de estreia da diretora costarriquenha Nathalie Álvarez Mesén constrói uma personagem complexa que, ironicamente, é simplória. São várias as suas dimensões. Quanto delas resulta como efeito da mãe dominadora e fanática religiosa representa a dúvida mais crucial. Ela tem um problema físico em suas costas, que poderia ter correção através de uma cirurgia, mas a mãe lhe nega essa oportunidade, e justifica pelo determinismo religioso: “Deus me deu Clara desse jeito, então ela continua assim.” Além disso, Clara demonstra deficiência mental também, mas seu atraso de desenvolvimento vem de berço ou da criação opressora?
A religiosidade da mãe parece verdadeira, pelo menos, diante do altar com uma enorme estátua de Nossa Senhora e outros objetos relacionados. Mas, duvidamos se ela realmente acredita que Clara realiza milagres, ou se ela a explora para ganhar uns trocados dos fiéis que a visitam. De certo modo, até nós desconfiamos que Clara tem um poder divino, pois em certo momento ela revive um besouro, e em outro parece curar o vizinho Santiago.
Natureza
O besouro, por sinal, se conecta com a dimensão da natureza em Clara. Que é muito mais forte com o cavalo branco da família, de nome Yuca, que só obedece as ordens de Clara. E ela se descontrola com o fato de ela acreditar que indiretamente lhe fez mal, passando a agir, então, como um animal no cio, se atracando às forças com Santiago. E, num contraponto poético anterior, são besouros que a guiam para passar uma noite na mata. O rio também é fonte de conforto, e ela se sente como uma princesa mergulhando nas águas com um vestido azul.
Essa conexão com a natureza, aliás, funciona como contrapeso da sexualidade de Clara que a mãe reprime com extremo rigor. Quando ela se toca vendo novelas, o castigo é duro: passar a mão em pimentas para provocar queimação se ela voltar a se masturbar. Evidentemente, a culpa não é da novela, e o desejo ferve também quando ela observa Santiago e sua sobrinha Maria transando.
Alguns críticos evidenciam pontos em comum de Clara Sola com o filme Carrie, a Estranha (1976), de Brian De Palma. De fato, temos em ambos a mãe religiosa e castradora, a jovem reprimida sexualmente (Clara tem quarenta anos, mas amadurecimento de adolescente), e até a fúria explosiva no baile da garotada. Mas o filme Clara Sola procura outras dimensões. Por um lado, lança várias dúvidas sobre a sua protagonista. Por outro, nos aproxima dela com uma incrível interpretação da dançarina Wendy Chinchilla Araya, estreante como atriz. Então, voltamos à pergunta: quem é Clara Sola? Ela é tudo que imaginamos que ela seja, pois esse longa possui a liberdade dos simbolismos – e cabe a nós interpretá-los.
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Ficha técnica:
Clara Sola | Clara Sola | 2021 | 1h46 | Suécia, Costa Rica, Bélgica, Alemanha, França, EUA | Direção: Nathalie Álvarez Mesén | Roteiro: Maria Camila Arias, Nathalie Álvarez Mesén | Elenco: Wendy Chinchilla Araya, Ana Julia Porras Espinoza, Daniel Castañeda Rincón, Flor María Vargas Chavez, Laura Román Arguedas.
Distribuição: Imovision.