Talvez alguns se perguntem por que o cineasta americano Quentin Tarantino é quem conduz o documentário Django & Django. Será por causa do seu sobrenome italiano? Acontece que Tarantino é cinéfilo de carteirinha, e costuma mergulhar fundo nos filmes que mais aprecia. E o spaghetti western é um gênero pulp que está fortemente ligado às suas preferências e até ao seu cinema. Não é à toa que o faroeste que dirigiu se chame Django Livre (2012). E, o prólogo deste especial dirigido por Luca Rea confirma isso com cenas de Era uma Vez em Hollywood (2019), de Tarantino, e o depoimento deste. Nesse seu filme, o personagem fictício Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), com sua carreira em baixa nos EUA, vai à Itália conhecer Sergio Corbuci para trabalhar nos faroestes italianos.
Quando surgem os créditos iniciais, com cartazes de diversos filmes do spaghetti western, dirigidos por diferentes cineastas, temos a impressão de que Django & Django é um documentário sobre esse subgênero do faroeste. No Brasil, essas produções ganharam a alcunha “Bang Bang à Italiana”, apelido que até deu nome a uma sessão semanal num canal de televisão aberta nos anos 1980. Muito populares na época dos lançamentos nos cinemas e na TV, hoje eles adquirem status de cult. A distribuidora Versátil Home Video, inclusive, já lançou três volumes de boxes de DVDs com o título “Faroeste Spaghetti”. Ademais, outro box dedicado a Sergio Corbucci, um da série Sartana e um blu-ray com Django (1966). É nesse patamar que esse documentário coloca o gênero.
O outro Sergio
Porém, Django & Django se concentra em Sergio Corbucci. Ou “o outro Sergio”, que o coloca respeitosamente como o segundo melhor diretor de faroestes italianos, atrás apenas de Sergio Leone. Aliás, “O Outro Sergio” seria o título do livro que Tarantino queria escrever sobre Corbucci, defendendo a tese de que seus filmes eram uma leitura do fascismo. Tarantino nunca chegou a escrever esse livro. Porém, as pesquisas que fez o municiam com detalhes e enfoques preciosos para esse documentário. Além dele, o cineasta Ruggero Deodato, que foi diretor de segunda unidade em vários filmes de Corbucci, bem como Franco Nero, ator constante de Corbucci, depõem neste especial. Além disso, o próprio Corbucci aparece, em imagens de arquivo.
Assim, os dois Sergios, conta o documentário, despontaram no cinema como diretores de segunda unidade de Os Últimos Dias de Pompeia (1959), de Mario Bonnard. Em seguida, Corbucci ganhou oportunidade para dirigir filmes de diversos gêneros. Em especial, os épicos, com destaque para Rômulo & Remo (1961). E, quando começou no faroeste, queria copiar o estilo de Hollywood. Com o tempo, assumiu um caráter surrealista de violência extrema. Nesse sentido, a cena em que um bandido corta a orelha da vítima e a obriga a engolí-la, de Django, é emblemática. Tarantino aponta que Joe, o Pistoleiro Implacável (Navajo Joe, 1966), estrelado por Burt Reynolds, foi o faroeste mais violento já realizado até o surgimento de Meu Ódio Será sua Herança (The Wild Bunch, 1969), de Sam Peckinpah. E, acrescenta que os dois Sergios se distinguem porque Corbucci fazia faroestes violentos, enquanto Leone faroestes épicos.
Outras leituras
Rico em materiais de bastidores, trechos de filmes e depoimentos, Django & Django traz ainda outras leituras de Tarantino. Entre eles, sobre a comunidade formada por pessoas horríveis nos filmes de Corbucci, em oposição à abordagem de John Ford. E, também, sobre o papel dúbio das mulheres. Enfim, o documentário, disponível na Netflix, trata Sergio Corbucci com reverência, e instiga a vermos ou revermos sua obra. Pena que seus filmes não estão em nenhuma plataforma de streaming.
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Ficha técnica:
Django & Django | Django & Django | 2021 | 80 min | Direção: Luca Rea | Roteiro: Steve Della Casa | Com Sergio Corbucci, Quentin Tarantino, Ruggero Deodato, Franco Nero.
Distribuição: Netflix.