O filme Domingo traz para as telas o conflito de classes no Brasil, muitas vezes encoberto pelas máscaras sociais. Para evidenciar esse atrito, a trama se desenvolve no dia da posse do novo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, se trata de um divisor de águas na história do país, pois, pela primeira vez uma pessoa originária da classe baixa chega ao poder.
O enredo lembra alguns dos filmes do cineasta Luis Buñuel, porque reúne um grupo de pessoas em um local durante um breve período. E, nesse contexto, surge sua feroz crítica à burguesia, muitas vezes usando simbologias surrealistas. É o que fazem os diretores Fellipe Barbosa e Clara Linhart em Domingo, excluindo o surrealismo.
Churras em família
No primeiro dia do ano de 2003, uma família se reúne para um churrasco na casa de campo onde um dos filhos da matriarca Laura (Ítala Nandi) mora com a esposa e os filhos. Apesar de residir na capital Porto Alegre, Laura é a proprietária desse imóvel e se comporta como a dona de tudo. Logo, a eterna briga com a nora Bete (Camila Morgado) vem à tona. Mas, nesse microcosmo de relações, surgem também outros confrontos, além de drogas, bebidas, sexo (incluindo traições), assédio moral e sexual… Enfim, um retrato de um grupo disfuncional e decadente.
Os únicos personagens que demonstram dignidade são a empregada e sua filha. Aliás, há um outro empregado, o já idoso José, mas ele é completamente submisso e apaixonado por Laura. Já a empregada não tolera o assédio que a filha sofre do filho do patrão, e nem as ordens prepotentes da proprietária. Então, inspirada pelas palavras do novo presidente, ela resolve partir. A cena das duas fechando o portão da casa e caminhando pela estrada é emblemática para simbolizar a esperança de uma vida melhor a partir daí.
Reavaliação da época
Porém, o filme foi realizado em 2018. Ou seja, o distanciamento do tempo já reduziu aquele entusiasmo da época. E, isso se reflete na inserção de um epílogo, em que acontece uma abastada festa da debutante da família. Então, nada mudou para a burguesia. Adicionalmente, esse cinismo está no título, pois a estória se passa num sábado – “aquele” domingo, que seria a esperança do futuro, na verdade, ainda não chegou.
Há um tom fortemente ácido em Domingo. Tanto as situações quanto os personagens são desagradáveis, pois espelham a falência moral desse grupo de pessoas. De fato, temos a impressão de que não há sinceridade entre eles. Nem mesmo a mulher grávida, aparentemente alheia a essa corrupção, escapa – na festa final, vemos que o bebê que nasce é negro, ou seja, ela traía o marido.
Aliás, o codiretor Fellipe Barbosa já apontou o dedo para a burguesia em seu filme anterior Casa Grande. O cenário naquele filme era o da elite carioca em falência pelo desemprego repentino do pai da família.
Por fim, assistir a Domingo é uma experiência incômoda, pois o filme não se preocupa em agradar. Afinal, se assim o fizesse trairia o seu próprio intuito de descortinar as mazelas sociais escondidas pelas aparências.
Sinopse:
1º de janeiro de 2003. Enquanto Brasília celebra a posse do Presidente Lula, duas famílias do interior gaúcho se reúnem em uma velha casa de campo para um churrasco regado a champanhe, segredos, anseios e frustrações. ‘Domingo’ poderia ser um dia qualquer – não fosse a tempestade repentina que despertará antigos fantasmas.
Ficha técnica:
Domingo (Domingo, 2018) Brasil/França. 94 min. Dir: Fellipe Barbosa, Clara Linhart. Rot: Lucas Paraizo. Elenco: Ítala Nandi, Camila Morgado, Augusto Madeira, Martha Nowill, Michael Wahrmann, Ismael Caneppele, Chay Suede, Silvana Silvia, Clemente Viscaíno, Manu Morelli, Maria Vitória Valença, João Pedro Prates, Francesco Fochesato, Cecília Soares, Donald Marshall, João Henrique Domingues.
Distribuição: Arthouse