“Elegia da Briga”: alguns vislumbres da originalidade de Suzuki
“Elegia da Briga” apresenta poucas das características de inovação formal que marcaram a carreira do diretor japonês Seijun Suzuki. Na verdade, o filme imediatamente anterior e o posterior a este, “Tóquio Violenta” e “A Marca do Assassino”, exemplificam melhor a originalidade de Suzuki.
Comédia de ação
Mesmo assim, “Elegia da Briga” não deixa de ser interessante. Afinal, é uma comédia de ação, violenta em alguns momentos, e com humor absurdo em outros. O herói Kiroku é atrapalhado, apesar de ser muito bom de briga. A ação se passa em 1935, época em que o Japão imperial se militarizava e possuía planos agressivos em relação a outros países. Essa atitude acabaria levando à sua participação na Segunda Guerra Mundial. Nesse cenário, o jovem Kiroku, assim como todos na escola onde estuda, recebe treinamento para lutar. Porém, ele é indisciplinado e não segue as regras do líder. Uma delas é se afastar das mulheres e se concentrar no treinamento.
Antes de tudo, Kiroku tem dificuldade de obedecer a essa ordem, devido à sua paixão por Michiko, garota que pertence à família com quem ele mora. Para piorar, seu treinador e a religião católica que ele segue condenam a masturbação. No entanto, é uma tentação a qual o jovem precisa resistir a todo momento, principalmente pela proximidade de Michiko. Então, a fim de se distrair, ele prefere lutar. Por isso, entra para uma gangue onde um Mestre o instrui e, também o protege do treinador da escola. Suas atitudes, porém, o obrigam a se mudar de cidade e de colégio. Mas, quando se transfere para Aizu, Kiroku enfrenta a instituição de ensino local e se envolve em brigas cada vez mais sérias.
Paixão platônica
Suzuki arranca a maior parte do humor no filme da paixão platônica de Kiroku por Michiko. O rapaz, por exemplo, se masturba no teclado do piano da menina, quando ele está sozinho em casa. Logo depois, vê um crucifixo na parede – iluminado de forma teatral por um jato de luz – e perde perdão pelo pecado que cometeu. Em outro momento bem original, quando Kiroku parte para a cidade de Aizu, ele grita as sílabas do nome de sua amada e as engole, a fim de levar a amada dentro de si. Essa cena fica ainda mais engraçada pelos enquadramentos que o diretor utiliza, com close-ups diferentes para cada sílaba ingerida.
Adicionalmente, Suzuki ainda brinca com as cores, mesmo sendo o filme em preto-e-branco. Por exemplo, quando o jovem está no quarto com a garota e precisa sair correndo para o quintal, porque está com uma ereção. Depois, ele afirma que precisa lutar para se distrair, e no quintal da casa encontra outros rapazes com quem brigar. Logo quando abre as portas, o exterior surge com um tom de branco saturado, demonstrando o atordoamento pelo qual passa Kiroku após permanecer na presença de Michiko.
Brincando com o absurdo
Por outro lado, manter a coerência nunca foi uma preocupação para o diretor Suzuki e aqui ele brinca bastante com o absurdo. Quando o Mestre enfrenta os diretores da escola em Aizu, ouvem-se trombetas que remetem ao exército americano no Velho Oeste, e depois o lutador foge patinando sobre sandálias de madeira com rodinhas. Ademais, a arma que ele utiliza nesse embate são amendoins arremessados com os dedos, filmados como se fossem atingir a câmera, como se fosse um recurso para 3D.
Além disso, o deboche pelas instituições também fica evidente em “Elegia da Briga”. Por exemplo, quando o diretor da escola em Aizu apresenta ao recém-chegado Kiroku a tradição do colégio, toda vez que o nome “Aizu” é pronunciado por ele, aparece um rápido close-up extremo da boca do diretor, causando um efeito irônico muito cômico. No mesmo sentido, quando o professor de Aizu está na sala de aula, e os alunos visivelmente não o respeitam, Suzuki evidencia essa desconexão escondendo metade da tela com uma grande tarja preta, impedindo que o professor e os alunos apareçam no mesmo quadro. Por fim, em outra sequência, quando alguns soldados são derrotados, ficam pendurados no varal, da mesma forma que as galinhas que aparecem ao lado deles.
Apesar desses exemplos de ousadia e originalidade, “Elegia da Briga” não entretém tanto. Em especial, porque o filme perde um pouco do foco sobre o personagem Kiroku, e acaba distanciando-o do espectador, que por isso não se envolve tanto com a estória. Porém, só pelos momentos que destacamos acima, vale a pena assisti-lo. No entanto, é preciso assistir a outros filmes do diretor para se conhecer a melhor sua obra.
Ficha técnica:
Elegia da Briga (Kenka Ereji, 1966) 86 min. Dir: Seijun Suzuki. Rot: Kaneto Shindo. Com Hideki Takahashi, Yusuke Kawazu, Junko Asano, Takeshi Kato, Isao Tamagawa, Kayo Matsuo, Kensuke Akashi, Iwae Arai, Hiroyuki Atami.
Obs: muitos conhecem esse filme com o título “Elegia da Luta”.
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