O diretor John Carney reforça sua intenção autoral com mais um filme sobre azarões em Dublin que encontram o caminho da música. Assim, sendo ele próprio um músico irlandês, Carney aproveita sua vivência para realizar filmes sobre um cenário que conhece. No entanto, está caindo na mesmice da fórmula com algumas variações. Mas, ainda com qualidade. Seu melhor filme nesse gênero é o mais antigo, Once (2007), que tinha um frescor indie contagiante. Os demais seguem uma ordem cronológica e de valorização. Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again, 2013), com um elenco famoso, continua emocionante. Sing Street (2016), sobre um músico adolescente, e este novo, Flora e Filho – Música em Família, possuem alguns bons momentos, mas estão ligeiramente abaixo dos demais.
De todos os losers desses filmes, Flora (Eve Hewson) e seu filho de 14 anos Max (Orén Kinlan) são os mais ferrados de todos. Ian (Jack Reynor), o agora ex-marido, caiu fora, mas pelo menos ainda fica com o filho nos dias que tem a sua guarda. No entanto, quer retomar sua carreira de músico. Já Flora, além de encarar subempregos para tentar pagar as contas, ainda sofre porque não consegue se conectar com Max, que chega até a ser agressivo com ela. Além disso, ele comete pequenos delitos e está sob vigilância da polícia. Numa vã tentativa de agradá-lo, ela lhe dá um violão usado, pensando que o garoto estaria interessado em seguir a carreira do pai. Porém, ele rejeita o presente asperamente. Ofendida, ela própria resolve aprender a tocar. Para isso, contrata aulas online… com um professor em Los Angeles (a 5.000 km de Dublin)! Então, completando esse quadro de perdedores, entra na história o músico frustrado Jeff (Joseph Gordon-Levitt), que agora tenta ganhar a vida dando aulas.
O poder da música
O cineasta John Carney acredita no poder da música, pelo menos é o que parece a partir de seus filmes. Sendo assim, é esse elemento que pode desanuviar esse cenário de amargura. As aulas de violão causam uma influência quase mágica em Flora e Jeff. Com a liberdade de um musical hollywoodiano, Carney elimina a barreira geográfica, e a virtualidade do contato online. E Jeff aparece, de repente, sentado do outro lado da mesa onde está Flora. Esse recurso encantador se repete outras vezes, com cenários diferentes, e chega ao ápice na cena no topo do prédio, sob o luar. Os dois já estão apaixonados, e Flora melhora uma composição de Jeff. Juntos, cantam a melhor canção do filme (“Meet in the Middle”), que contagia o espectador (algo que faltou em Sing Street). O toque teatral se evidencia, mas sem atrapalhar o filme. Na verdade, os outros filmes de Carney também possuem essa teatralidade, tanto que Once virou peça e foi até encenada no Brasil.
A música serve também como salvação para Max. O fato de ele desprezar o violão não significa que ele não gosta de música. Mas o negócio dele é usar um programa no computador para compor seu rap, que agrada a mãe. Após passar umas semanas num reformatório por roubar um teclado, ele e todos esses personagens encerram o filme em cima do palco. Não com uma apresentação num ginásio lotado. Carney acerta em manter os pés no chão, como fez em Sing Street. O sucesso, em Flora e Filho, é tocar num barzinho de Dublin na noite para amadores. Ou melhor, o sucesso mesmo é ter a esperança de uma vida sem tanto sofrimento.
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Ficha técnica:
Flora e Filho – Música em Família | Flora and Son | 2023 | 97 min | EUA, Irlanda | Direção e roteiro: John Carney | Elenco: Eve Hewson, Joseph Gordon-Levitt, Orén Kinlan, Jack Reynor, Marcella Plunkett, Paul Reid, Don Wycherley, Amy Huberman, Sophie Vavasseur.
Distribuição: Apple Plus.