“Irmãs Diabólicas”: O filme que revelou Brian De Palma
“Irmãs Diabólicas” marca o segundo trabalho hollywoodiano de Brian De Palma. Isso depois da fase de filmes indies em Nova York e do fracassado “O Homem de Duas Vidas” (1972), que foi sua estreia em Los Angeles. E foi no gênero suspense que De Palma conseguiu descobrir plenamente seu talento como diretor, indo além das esparsas mostras nos curtas e longas anteriores.
De Palma arrebata o espectador logo no primeiro terço de “Irmãs Diabólicas”. Já nos créditos iniciais nasce a expectativa de que vivenciaremos uma experiência assustadora. Imagens de fetos no útero, em closes medonhos, estampam a tela ao som de Bernard Herrmann, o compositor favorito de Alfred Hitchcock.
Depois, na primeira cena, acompanhamos uma enigmática situação onde um homem está num vestiário masculino. Logo, uma bela moça cega entra e começa a se despir. Um zoom até a face do rapaz revela que se trata de um programa de televisão que brinca com o voyeurismo, um tema recorrente na obra de De Palma.
Conhecendo Danielle
A moça que finge ser cega é Danielle Breton (Margot Kidder), uma modelo e atriz contratada para testar a reação do rapaz, Phillip. Os dois só se conheceram, de fato, no programa. Porém, o prêmio do jantar cortesia ganhado por Phillip serve de pretexto para saírem juntos. Depois, passam a noite no apartamento de Danielle, que vive sozinha.
Nesse cenário, presenciamos um brilhante momento de revelação, que retoma aquela apreensão instaurada pelos créditos iniciais. Quando o casal começa a se beijar e se deitam no sofá, a câmera assume a posição de plongée (de cima para baixo), muito usada para ilustrar o desconforto da situação em tela. Então, vai descendo até focar o detalhe da cintura de Danielle, onde uma enorme deformação marca sua pele. Com isso, o espectador está agora desconfiado que essa mulher esconde algo sinistro.
Quando ela acorda, vai ao banheiro e toma alguns remédios, e depois a ouvimos discutindo com sua irmã. Então, Danielle pede para Phillip buscar mais remédios com urgência, porque ele inadvertidamente jogou o estoque final dela no ralo da pia. Imagens alternadas de Danielle passando mal pela falta do medicamento e de Phillip comprando um bolo surpresa de aniversário para ela funcionam perfeitamente para deixar o público nervoso, torcendo para que ele se apresse.
Brutal
M,as ao retornar, acontece um assassinato brutal, que marca a melhor cena do filme. Danielle (ou sua irmã Dominique) ataca Phillip com uma faca, em câmera lenta. As sombras na parede revelam o golpe mais violento, quando a faca corta a boca da vítima. Enquanto o homem se debate no chão, todo ensanguentado, vemos a mulher na cama totalmente transtornada. Entra, então, o split screen, a tela dividida que se tornou marca registrada de Brian De Palma.
Assim, o quase morto rapaz escreve com seu próprio sangue na janela do apartamento. Nesse instante, uma vizinha do prédio em frente o vê (de novo o voyeurismo presente) e chama a polícia. Enquanto a testemunha Grace (Jennifer Salt) fala ao telefone, a câmera se desloca para focar os recortes de jornal emoldurados e pendurados na sua parede, exibindo reportagens que ela escreveu. Dessa forma, De Palma retoma o recurso utilizado por Hitchcock para apresentar o personagem de James Stewart em “Janela Indiscreta” (1954).
Em seguida, De Palma continua a manipular o suspense do público quando contrapõe a demora da polícia em subir ao local do crime. Enquanto isso, acompanhamos o processo de limpeza de Danielle e seu suposto ex-marido Emil, interpretado por William Finley, amigo e ator constante nas primeiras produções do diretor. Quando os policiais e Grace investigam o apartamento, De Palma explicita seu maneirismo. E coloca a câmera inusitadamente atrás da parede que separa a sala do banheiro, e até atrás a geladeira, oferecendo uma irreal posição de dentro do refrigerador.
Pela janela indiscreta
Outro grande momento que evoca novamente “Janela Indiscreta” surge quando o detetive particular Larch (Charles Durning) entra no apartamento de Danielle. Enquanto isso, Grace o observa pela janela do prédio dela com um binóculo. E, como sua xará Grace Kelly naquele filme, liga para o telefone para avisar que pessoas entraram no local.
Além disso, De Palma ainda repete a tática de Hitchcock de se utilizar da repercussão da imagem violenta apresentada anteriormente no filme para manter o suspense no restante da estória. É o que o cineasta inglês fez em “Psicose” (Psycho, 1960). Aqui, o espectador sente a imagem de horror gore do assassinato anterior ecoar nas desventuras de Grace em busca da verdade.
Juntas em Malibu
Enfim, como curiosidade, as duas atrizes principais, Jennifer Salt e Margot Kidder, moravam juntas em uma casa em Malibu. E partilhavam, além da residência, a ambição de se tornarem atrizes. Por isso, costumavam recepcionar pessoas do meio cinematográfico para networking. Então, foi assim que conheceram De Palma, que estava há pouco tempo morando em Los Angeles.
Posteriormente, Kidder alcançou o grande público com a trilogia “Superman”, com Christopher Reeve, em 1978, 1980 e 1983, pontos máximos de sua carreira. Salt, porém, teve carreira mais modesta em filmes para televisão.
Em suma, “Irmãs Diabólicas” é um filme bombástico, com cenas inesquecíveis, que detonou uma série de títulos de qualidade ascendente do diretor. São eles: “O Fantasma do Paraíso” (1974), “Trágica Obsessão” (1976) e “Carrie, a Estranha” (1978).
Acima de tudo, este filme apresenta um suspense que retoma de forma inteligente os procedimentos utilizados por Hitchcock. Porém, com um tempero anos 70, mais violento e crítico.
Ficha técnica:
Irmãs Diabólicas (Sisters, 1972) 93 min. Dir: Brian De Palma. Rot: Brian De Palma & Louisa Rose. Com Margot Kidder, Jennifer Salt, Charles Durning, William Finley, Lisle Wilson, Barnard Hughes, Mary Davenport, Dolph Sweet, Olympia Dukakis.
Assistir: entrevista com Margot Kidder