A cinefilia se dividiu a respeito de Men – Faces do Medo, terceiro longa de Alex Garland. Para uns, é um filme misógino. Mesmo que as razões encontradas para que se defina um filme como tal sejam quase sempre estúpidas, é bom ficarmos atentos. Para outros, um filme sublime sobre a masculinidade tóxica. Não me parece equivocado dizer que seria um filme sobre a misoginia e a masculinidade tóxica, mas também sobre a imensa fragilidade emocional de uma geração.
A protagonista é Harper, vivida por Jessie Buckley, atriz-sensação de A Filha Perdida (The Lost Daugher, 2021). Sabemos aos poucos que ela morava em Londres e se divorciou do marido, James (Paapa Essiedu), que não aceitou sua decisão e se suicidou na sua frente, aparentemente meio que por acidente. Para escapar do trauma, ela se refugia por um tempo numa casa de campo na Inglaterra, cenário ideal para um filme de horror.
Mas o trauma não a deixa em paz. Para começar, ela vê um homem nu, que depois a segue até a casa de campo. É capturado pela polícia e não oferece resistência. Mas aí o filme já mostra seu maior problema: a insistência nos recorrentes flashbacks dos momentos finais de sua relação conjugal, incluindo aí um soco dado por James que apressa a decisão de Harper, mesmo enquanto a ameaça do homem nu insere o filme num suspense psicológico forte.
O filme de gênero
É precisamente o mesmo problema do filme anterior de Garland, Aniquilação (Annihilation, 2018). Ao procurar tingir o que poderia ser um delicioso filme de gênero, no caso, um terror de ficção científica, com uma reflexão mais séria sobre a crise de um relacionamento, o diretor parece escorregar na pompa e enfraquecer até mesmo seu maneirismo. É como se o gênero puro não valesse muito. Ele precisa ser “enriquecido” com coisas ditas sérias como um relacionamento amoroso. A isso chamo de “medo do filme B”, mas pode ser também “medo do horror” ou “medo do filme de gênero”. Felizmente, Garland coloca ponto final nos flashbacks e vai para a ambientação.
Men – Faces do Medo cresce na metade final. Temos um terror psicológico que opõe homens abusivos de toda espécie a uma mulher fragilizada pela decisão intempestiva de seu ex-marido. Enviuvada ainda jovem, ela percebe que numa situação de fraqueza emocional, todos os homens viram ameaça, até mesmo uma criança envelhecida (ou um adulto com tamanho de criança) e um padre. O filme se torna uma materialização do “homens são todos iguais”.
É válida a acusação de misoginia?
Me parece bem tola a acusação de misoginia. Se Harper está fragilizada, todos os homens que cruzam o seu caminho estão ainda mais, ou são sociopatas, como o falecido marido James. É verdade que a cena na igreja, em que as lembranças a fazem se desesperar e gritar, é forçada demais para entendermos seu drama. Mas não seria isso que faria o filme ser misógino. Muito menos o fato de fazer de todos os homens uma única entidade, em que os ferimentos do primeiro deles se refletem em todos os outros.
O padre, aliás, após ter colocado a mão na perna de Harper e ter se sentido mal com isso, mesmo que tenha colocado por cima do vestido, sem contato direto com a pele, argumenta que homens baterem em mulheres é ruim, mas desculpável, e que ela deveria ter dado a James a chance de se desculpar. A resposta de Harper coloca as acusações de misoginia no mais profundo ridículo: dois sonoros “fuck off”. É um dane-se para o patriarcado.
A única pessoa que aparece forte no filme é sua amiga Riley (Gayle Rankin), que sugere uma força anterior da própria Harper, pela cumplicidade entre as duas. Todos nós podemos ter nossos momentos de força e nossos momentos de fragilidade. Riley é vista quase o tempo todo dentro do smartphone de Harper, o que a aprisiona, deixa-a levemente apartada da situação vivida pela amiga.
Maneirismo
Muitos podem sentir desconforto pelo maneirismo de Garland, mas considero muito preferível o maneirismo século 21, mesmo que frequentemente seja meio capenga, ao atual academicismo da câmera tremida e do “filmar qualquer coisa em nome do dinamismo”. Maneirismo, hoje mais do que nunca, significa uma atenção absoluta com o que a câmera vai captar, com o enquadramento, as angulações, as distâncias entre atores e objetos e o limite do quadro, o que se mostra, o que se esconde e o que se supõe estar fora do quadro, em suma, capricho na mise-en-scène. O que antes era atribuição de qualquer cineasta, hoje parece ter sobrado para os maneiristas e um ou outro autor como James Gray.
Garland fez um filme arriscado sobre a necessidade de superação, cheio de problemas narrativos e metáforas tolas, mas que revela talento na criação de uma ambiência estranha.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Men – Faces do Medo | Men | 2022 | 1h40 | Reino Unido | Direção e roteiro: Alex Garland | Elenco: Jessie Buckley, Rory Kinnear, Paapa Essiedu, Gayle Rankin, Sarah Twomey, Zak Rothera-Oxley, Sonoya Mizuno.
Distribuição: Paris.