A caprichada animação em stop motion Minha Vida de Abobrinha investe numa história com crianças em situação desfavorável que se unem para se fortalecerem. Um tema forte, que deu origem a várias obras memoráveis. Por exemplo, o clássico da literatura Oliver Twist, de Charles Dickens, cuja melhor adaptação para o cinema é a de 1948, com direção de David Lean.
O roteiro tem autoria de Céline Sciamma, cineasta que criaria o belíssimo filme Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait de la jeune fille en feu, 2019). Notamos nesses dois trabalhos uma apurada capacidade de levar para a tela os sentimentos dos seus personagens. No longa de 2019, duas mulheres que se amam secretamente. Nessa animação, as crianças de um orfanato. Sciamma abordaria novamente o universo infantil em Pequena Mamãe (Petite Maman, 2021), mas sem conseguir manter o mesmo nível de excelência.
Órfão com traumas específicos
Minha Vida de Abobrinha acompanha o menino de dez anos Ícaro, apelidado de Abobrinha pela mãe, que não lhe dá muita atenção. Seu pai já morreu, e sua maior lembrança dele é uma pipa com a sua figura. Por acidente, Abobrinha provoca a morte da mãe, e vai parar num pequeno orfanato com meia dúzia de internos com sua idade. Cada um deles tem uma história complicada em relação aos pais. O líder da turma, o invocado Simon, é filho de pais drogados. Outras situações envolvem pais ladrões, assassinos, suicidas e até um que abusava da filha, que hoje entra em estado de colapso nervoso (batendo o garfo no prato) diante de situações tensas.
Embora esses motivos sejam pesados para o público infantil (a censura recomendada é 10 anos), o filme possui a rara qualidade de tratar deles de uma forma que os adultos entendem, mas as crianças não. E, isso, porque os personagens infantis pensam autenticamente como crianças de dez anos. Assim, há diferenças de graus de maturidade entre eles. Simon, por exemplo, quer aparentar o mais experiente. Portanto, explica que o “piu piu explode” quando dois adultos fazem um filho. Mas, ninguém da turma entende o que o pai abusivo da colega fazia.
Aventura apropriada
A história não envereda por aventuras exageradas como vemos nas animações dos grandes estúdios. O perigo que surge se concentra na nova interna Camille, cujo pai matou a mãe e depois se suicidou. Agora, a sua tia, que não liga a mínima para ela, quer ganhar a guarda da menina para receber o subsídio do governo. Simon, depois da chegada de Abobrinha e de Camille, deixou de fazer bullying e permitiu a união entre todos os internos. E é ele quem tem uma ótima ideia para provar ao juiz que a tia não cuidará bem de Camille.
Além disso, surge um outro pico dramático num evento que pode separar Abobrinha e Camille da turma. E, esse ponto se resolve com a mensagem principal do filme: não cabe egoísmo no amor verdadeiro.
O stop motion é de alto padrão, com movimentos muito fluídos. Todos os elementos criados guardam uma proximidade com desenhos infantis. Por exemplo, os veículos com rodas pequenas demais. Já os bonecos que representam os personagens são simples, bonitos sem serem apelativamente fofos. O único senão é que eles se parecem demais uns com os outros, e causam um pouco de dificuldade para identificá-los em algumas cenas.
Por fim, vale anotar que essa bela coprodução suíça/francesa recebeu uma indicação ao Oscar de melhor animação. No entanto, perdeu o prêmio para o menos criativo Zootopia (2016).
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Ficha técnica:
Minha Vida de Abobrinha | Ma vie de Courgette | 2016 | 66 min | Suíça, França | Direção: Claude Barras | Roteiro: Céline Sciamma, Claude Barras, Morgan Navarro | Vozes: Gaspard Schlatter, Sixtine Murat, Paulin Jaccoud, Michel Vuillermoz, Raul Ribera, Estelle Hennard, Elliot Sanchez.