Entenda por que O Delator é conhecido como o filme de arte do diretor John Ford.
A carreira de John Ford começou ainda no cinema mudo, e na época de O Delator, ele era muito requisitado, realizando de dois a três filmes por ano. Mas, ainda não tinha feito nenhum grande filme. Porém, tinha nas suas contas o sucesso de A Patrulha Perdida (1934), que trazia o mesmo Victor McLaglen como protagonista.
Um estúdio menor, a RKO, decidiu produzir O Delator, apesar das ressalvas por ser uma versão do filme britânico Alma das Ruas (1929). Assim, deu o sinal verde para John Ford, mas com um orçamento pequeno. Por isso, o diretor teve que reduzir o seu salário para adequar ao custo da produção. Além disso, não pôde contar com nomes famosos no elenco.
Por outro lado, essas restrições acabaram por pavimentar o caminho de um “filme de arte”. Primeiro, porque a própria RKO acabaria por ser um estúdio de produções de qualidade. Por exemplo, Cidadão Kane (1941), Sangue de Pantera (1942) e Interlúdio (1946). Segundo, porque John Ford contou com um cenário de estúdio muito limitado. Dessa forma, precisou estimular sua criatividade para encontrar soluções que disfarçassem essas restrições.
Expressionismo
Daí, surgiram características do filme que o aproximam de Aurora (1927), de F.W. Murnau, e do Expressionismo Alemão. Por isso, O Delator apresenta muitas névoas e sombras, que combinam com o cenário turbulento de Dublin em 1922. Ao mesmo tempo, reforçam a confusão no caráter do protagonista. No entanto, o que mais evidencia a influência do filme de Murnau é o uso da projeção na parede do cartaz com a recompensa, acentuando a tentação, e depois, o remorso do protagonista delator.
Simbolismos
Aliás, o uso de simbolismos no filme se destaca. Gypo Nolan (Victor McLaglen), num momento de fraqueza, entrega o seu amigo do IRA para as autoridades britânicas, em troca da recompensa. O cartaz com a foto e a oferta da recompensa está nas paredes da cidade, e ele surge insistentemente para Gypo. Num momento inicial, como a tentação para o livrar da miséria e fugir para a América com a namorada. Depois, como que para reforçar o seu arrependimento. Num dos momentos emblemáticos dessa situação, o vento carrega o cartaz até ele ficar preso nas pernas de Gypo.
Por sinal, o elemento vento marca bastante presença nas ruas de Dublin. Com isso, marca esses tempos agitados, quando muitos irlandeses resistiam à influência britânica no país. Não à toa, o vento também está no título de Ventos da Liberdade (2006), longa de Ken Loach que versa sobre o mesmo tema.
Na época, como o próprio O Delator demonstra, havia muitos confrontos violentos entre os dois lados opositores. Os Tans mencionados na história são os Black and Tans, força de combate para repressão das rebeliões na Irlanda.
Já no título, mas também na cena final, a delação e o arrependimento de Gypo, guardam referências bíblicas com o Judas que traiu Cristo. Por isso, a conclusão acontece dentro de uma igreja católica, e o protagonista abre os braços como Cristo, aliviado pelo perdão concedido pela mãe do amigo traído. Antes, quando os policiais pagam a recompensa, eles o fazem com um desprezo imenso a essa atitude deplorável. Então, um joga o dinheiro na mesa e o outro o empurra com uma vara na direção de Gypo.
Victor McLaglen
Muitos conhecem o grandalhão Victor McLaglen de Depois do Vendaval (1952), também de John Ford. Pois aqui ele interpreta o mesmo tipo bufão, briguento e beberrão. Porém, sem nenhum tom de comédia. Pelo contrário, ele encarna com seriedade o personagem arrependido com uma força avassaladora. Quando percebe que condenou seu amigo à morte, ele se perde totalmente, e começa a agir como se quisesse se destruir. Perde o controle dos seus atos e deixa evidente a todos que ele é o delator. O dinheiro já não vale nada para ele, portanto começa a esbanjar para se livrar do motivo de sua perdição.
Ademais, o contraste entre o corpulento personagem, que derruba todos numa briga, e sua fragilidade moral, delineia o tema central do filme. Aí se encontra outra característica do Expressionismo Alemão, que é o duplo, a versão ruim de cada um.
Como resultado de sua decisão errada, em vários momentos o vemos descendo escadas, até mesmo rolando perigosamente, para realçar o seu declínio. A única solução é o perdão, que vem no momento derradeiro.
John Ford
O diretor John Ford ganhou fama por levar para as telas a epopeia americana, principalmente, mas não apenas, pelos seus faroestes. Em O Delator, ele explora suas raízes irlandesas, outro tema marcante em sua carreira. Esse interesse pessoal, alinhado ao baixo orçamento que o provocou a buscar soluções que enriqueceram o filme, resultou numa obra diferenciada em sua vasta filmografia. Dali para a frente, viria o sucesso de crítica e de público, numa carreira irretocável que, talvez, fosse diferente se esse filme não existisse.
Indicado ao Oscar em dez categorias, O Delator venceu em: melhor ator (McLaglen), melhor diretor, melhor roteiro (Dudley Nichols) e melhor trilha sonora (Max Steiner).
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Ficha técnica:
O Delator (The Informer) 1935, EUA, 91 min. Direção: John Ford. Roteiro: Dudley Nichols. Elenco: Victor McLaglen, Heather Angel, Preston Foster, Margot Grahame, Wallace Ford, Una O’Connor, J.M. Kerrigan, Donald Meek, Francis Ford.