O Sacrifício do Cervo Sagrado é um dos filmes mais perturbadores que você vai assistir em sua vida.
Dirigido por Yorgos Lanthimos, de O Lagosta (2015) e A Favorita (2018), o filme retoma a história de Ifigênia, da mitologia grega (mesma origem do diretor). Ou seja, a moça que deve se sacrificar pelos pecados cometidos pelo seu pai. De fato, essa inspiração é confirmada no próprio filme, porque uma das personagens afirma estar ensaiando essa peça na escola.
A trama
O cirurgião cardiologista Steven (Colin Farrell) começa uma amizade com o jovem Martin (Barry Keoghan). Ele é filho único de um dos seus pacientes que veio a óbito durante um procedimento cirúrgico no qual o médico atuou alcoolizado. Logo, a relação começa a ficar cada vez mais estranha. Martin passa a perseguir Steven, até que um dia expressa seu desejo de vingança. Em outras palavras, ele quer que Steven também sofra a perda de uma pessoa amada, como ele sofreu. Para isso ficar mais contundente, o cirurgião deve escolher qual membro de sua família deverá morrer.
Nesse processo, Bob (Sunny Suljic), o filho caçula de Steven, perde o movimento das pernas e a vontade de comer. Os mesmos sintomas sofre a filha adolescente Kim (Raffey Cassidy), que se apaixona por Martin. Por fim, a esposa Anna (Nicole Kidman) será a próxima vítima. Assim, todos podem morrer caso Steven não decida quem será o sacrificado.
Sintomas
E o filme não revela se e como Martin está provocando esses sintomas. Portanto, qualquer que seja a atitude tomada por Steven para tentar salvar sua família, nada parece surtir efeito. Então, o roteiro leva para outra solução.
Os diálogos impressionam pela sinceridade absoluta, que beira a rudeza. É como se os filtros sociais que impedem qualquer risco de ofender a outra pessoa não existissem mais. O plongée extremo, a câmera que filma de cima a queda de Bob no caminho para a saída do hospital, revela a presença acusadora de um ser superior ou da consciência de Steven, forçando-o a assumir sua culpa e escolher seu sacrifício. Adicionalmente, a citação ao filme Feitiço do Tempo (1993), no qual o personagem de Bill Murray revive o mesmo dia repetidamente, indica também que não adianta Steven tentar mudar o destino de sacrifício de um membro de sua família.
Definitivamente, Yorgos Lanthimos realiza um excelente trabalho para tornar O Sacrifício do Cervo Sagrado perturbador para o espectador. Juntamente com os diálogos de franqueza extrema, o visual é propositalmente construído nesse sentido. Por exemplo, a primeira sequência começa com a câmera em um close-up de um coração debilitado durante uma intervenção cirúrgica. Em seguida, o plano se abre gradativamente até mostrar o protagonista.
Estranheza
Da mesma forma, durante o restante do filme, Lanthimos opta por enquadramentos que causam estranheza. Afinal, eles fogem do nivelamento plano, preferindo as diagonais, bem como usando a posição de plongée e contra-plongée. Além disso, há o uso de lentes grande angulares que ampliam o cenário das cenas. Stanley Kubrick conseguiu o mesmo efeito em A Laranja Mecânica (1971), outro filme perturbador ao extremo. Os planos, geralmente longos, são acompanhados de uma trilha sonora arrepiante, com acordes dissonantes. Tudo isso alinhado à interpretação de Barry Keoghan, de Dunkirk (2017), que provoca ódio mortal nos espectadores, e torna o filme uma experiência extremamente incômoda para se assistir. Portanto, nada indicado para quem prefere a zona de conforto.
Então, por não explicitar como Martin atinge a família de Steven, o filme abre margens para interpretações sobrenaturais mas também racionais. Por um lado, Martin pode ser um ser divino ou maligno trazendo a punição a Steven pelo seu pecado. Ou, então, apenas uma metáfora para a consciência de Steven. Em qualquer via, fica evidente a mensagem que ninguém consegue fugir dos erros cometidos em seu passado. Essa verdade já é perturbadora, e Yorgos Lanthimos conseguiu representá-la no formato desse filme inesquecível.
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Ficha técnica:
O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer, 2017) Reino Unido/Irlanda/EUA 121 min. Dir: Yorgos Lanthimos. Rot: Yorgos Lanthimos, Efthymis Filippou. Elenco: Nicole Kidman, Alicia Silverstone, Colin Farrell, Raffey Cassidy, Barry Keoghan, Bill Camp, Anita Farmer Bergman, Sunny Suljic, Megan Chelf Fisher, Josephine Elle.