O Sequestro do Papa (Rapito), de Marco Bellocchio, traz à tona um escandaloso fato que ganhou vasta repercussão na época em que aconteceu. Na segunda metade do século 19, o Papa Pio IX ordenou que um menino de seis anos, Edgardo Mortara, fosse retirado de sua família judia e levado para a sede da Igreja em Roma. O motivo: o menino foi batizado e uma família judia não podia cuidar de uma criança católica.
A produção belíssima constrói um visual com cores, sombras e luzes que remetem às pinturas da época. Os cenários reforçam essa referência temporal e espacial, tão vital para o enredo. Soma-se a isso a experiência de Bellocchio, que escolhe os melhores enquadramentos para levar tudo isso para a tela.
Sequestro, disputa, conversão
A trama possui, basicamente, três partes. A primeira se centra no sequestro através de subterfúgios legais que impedem a resistência da família. Nesse trecho, o pai parece resignado e se conforta por saber que o filho recebe bons cuidados. Mas a mãe não se conforma e provoca um encontro onde ela e o filho se desesperam, numa das cenas mais dramáticas do filme.
A Igreja persiste no processo de conversão do menino. Resta, então, à família, uma luta judicial para resgatar Edgardo. A segunda parte de O Sequestro do Papa assume características de filme de tribunal. Do desfecho desfavorável nasce outro momento de alta carga emotiva. Desta vez, com o pai agora sentindo a inevitável constatação de que perdeu seu filho para sempre. A música de fundo, orquestrada e pesada, dá um tom de terror a esse trecho. O Papa, afinal, é extremamente poderoso, como constata a cena em que ele humilha os representantes judaicos em Roma.
Na terceira parte, Edgardo já é um rapaz, e completamente convertido ao catolicismo e submisso ao Papa. Porém, o movimento de unificação da Itália está minando o poder da Igreja. Até que, por fim, o rei Vitor Emanuel II incorpora Roma, processo que abala a saúde do pontífice. Contudo, os encontros de Edgardo com seu irmão mais velho e com a sua mãe em leito de morte comprovam que a lavagem cerebral não tem mais volta. Não resta mais resquícios do judaísmo no rapaz sequestrado aos seis anos.
O Sequestro do Papa se concentra apenas nesse fato, o suficiente para criticar a insaciável busca pela conversão universal protagonizada por esse Papa que a Igreja beatificaria no ano 2000.
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Ficha técnica:
O Sequestro do Papa | Rapito | 2023 | 134 min | Itália, França, Alemanha | Direção: Marco Bellocchio | Roteiro: Marco Bellocchio, Susanna Nicchiarelli, Edoardo Albinati | Elenco: Paolo Pierobon, Fausto Russo Alesi, Barbara Ronchi, Enea Sala, Leonardo Maltese.
Distribuição: Pandora Filmes.
Assista ao trailer aqui.