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Orlando, Minha Biografia Política (filme)
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Orlando, Minha Biografia Política

Avaliação:
8.5/10

8.5/10

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Crítica | Ficha técnica

No romance de Virginia Woolf, de 1928, Orlando está às voltas com as ambiguidades e incertezas em torno da masculinidade. Acompanhamos seu sofrimento e seus questionamentos ao longo de 350 anos até que, um dia, ele acorda transformado em mulher.

Paul B. Preciado parte dessa mudança de gênero vivida por Orlando, para relançá-la no início do seu filme, Orlando, Minha Biografia Política, com a pergunta: que sexo é o meu? Faz da mudança de Orlando uma transformação que pode ser relida e, assim, revivida por pessoas trans e não binárias do nosso tempo.

O documentário intercala falas dessas pessoas com as de Orlando extraídas do romance. Antes de contar sua história, ou ler um trecho do romance, cada pessoa diz seu nome próprio e previne o espectador de que ela ou ele assumirá, neste filme, o papel de Virginia Woolf. Com esse recurso, Preciado traça um histórico da problemática em torno das identidades trans. Aborda o gênero a partir de algumas ideias que conhecemos de seus livros: a domesticação de corpos e do sexo por uma malha discursiva que envolve políticas de dominação do patriarcado, da família tradicional, da ciência (e não escapam a medicina, a psiquiatria, nem Freud, nem Lacan!), da indústria farmacológica.

As vozes se alternam a ponto de se desfazerem e se reconfigurarem em um sistema de experiências subjetivas que se desprendem de seus corpos. O próprio Preciado aparece no filme como homem trans e também como realizador. Mas, ele se “descorporifica” em meio às falas, para se misturar a essas tantas vozes que extrapolam seus corpos, e que, ao mesmo tempo, procuram um lugar, um laço social. Isso faz da transgeneridade uma experiência que não cabe na sociedade, nem nos discursos identitários. Talvez ela se realize no cinema, se sua linguagem se livrar de preconceitos e do binarismo de gênero. Nesse sentido, o filme rompe com o cinema moderno e despede-se deste. A morte de Godard é lembrada, en passant, por uma das mulheres trans e é seguida por um lacônico “meus pêsames!”.

O único caminho de expressão possível para almas trans “sem lugar” é a poesia, afirma a ‘voz em off’ logo no início do filme. Daí a ideia de partir do romance literário de Virginia Woolf.

O filme percorre a questão do gênero de forma sensível e criativa. Se cada pessoa trans lembra ao espectador de que, em cena, ela (ou ele) é, também, Virginia Woolf, isso indica que estamos em um plano entre a ficção e a realidade, característica própria ao gênero documentário. A exceção são as crianças trans que, ao contrário, dizem seu nome e nada mais. Crianças são vozes que estão por vir. Não serão Virginia Woolf ou qualquer outra coisa ou pessoa ou personagem que não sejam elas mesmas. Esse talvez seja o projeto, ou o desejo de Preciado em relação à questão trans.

Na última sequência, a escritora francesa Virginie Despentes encena uma juíza que oferece a cada personagem um documento de identidade. Esse gesto de reconhecimento das singularidades legitima as vozes no corpo social e atesta, portanto, sua existência na cultura.

Há cuidado estético, inventividade no roteiro e um forte background conceitual e histórico em torno das discussões sobre identidades de gênero – o que faz da estreia de Paul B. Preciado como realizador bem-sucedida. Trata-se de um belo filme, com função também política, já que desperta questões e estimula a reflexão.

Texto escrito por Patrícia Cabianca Gazire, psicanalista da SBPSP e Professora Afiliada do Departamento de Psiquiatria da EPM/Unifesp, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Orlando, Minha Biografia Política | Orlando, ma biographie politique | 2023 | 98 min | França | Direção e roteiro: Paul B. Preciado | Com Arthur, Emma Avena, Amir Baylly, Jenny Bel’Air, La Bourette.

Distribuição: Filmes do Estação

Orlando, Minha Biografia Política está na programação do Festival Varilux 2023 e no 31º Festival Mix Brasil.

Onde assistir:
Orlando, Minha Biografia Política (filme)
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