São curiosas as escolhas de Colin Farrell. Não me refiro à sua vida pessoal, obviamente, mas aos filmes que tem escolhido para ter em seu currículo: O Lagosta (The Lobster, 2015), O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer, 2017), como se não bastasse atuar uma vez para Lanthimos e precisasse errar novamente, After Yang (2021), de Kogonada. Este último é até razoável, mas é cada escolha bizarra que ficamos nos perguntando o que restou do Farrell astuto que num período de dois anos atuou em Miami Vice (2006), um dos melhores de Michael Mann, e O Sonho de Cassandra (Cassandra’s Dream, 2007), um dos melhores de Woody Allen.
Em Os Banshees de Inisherin, outro filme que se aproxima mais da linha recente do que do período 2006-2007, Farrell faz o difícil papel de um chato. Difícil porque chato não é tanto quem quer ser chato, mas alguém que não tem ideia de que é chato. O chato geralmente é uma pessoa boa, simpática, o que faz com que ele seja ainda mais chato. Não podemos descartá-lo com facilidade a não ser que nosso coração vire pedra. No caso do personagem de Farrell, até o nome é chato, pelo menos para nossos padrões: Pádraic Súilleabháin. Mas ele se acha legal.
A trama do filme
No filme, quem tem coração de pedra é Colm Doherty (Brendan Gleeson), que num belo dia resolveu não dar mais bola para Pádraic, esse chato. Segundo Colm, mesmo morando numa ilha pequena no norte da Irlanda em 1923 e a calmaria reinando no local apesar da Guerra Civil estar em pleno curso, é melhor não perder mais tempo com um chato. Mesmo que esse chato fosse seu melhor amigo, companheiro diário de bebidas no pub da ilha. Para a irmã do chato, Siobhán (Kerry Condon), Colm confessa que Pádraic, quando bêbado, é até agradável. O problema é aguentar antes disso.
Sem perder tempo com Pádraic, Colm pode se dedicar à sua paixão até então secreta: a música. Ele chega a compor uma peça para violino e começa a dar aulas para estudantes de música, mesmo depois que, fazendo jus às mais loucas reações aos chatos, começa a cortar seus próprios dedos a cada vez que Pádraic lhe dirige a palavra.
Os dedos atirados um a um contra a porta de Pádraic e Siobhán são parte da estranheza com que o filme trabalha. Há ainda as chamadas Banshees, que pressagiam mortes e costumam ser confundidas com bruxas pela população local. E os animais que insistem em entrar na casa para fugir do frio. Entre eles, a pequena jumenta Jenny, por quem Pádraic nutre uma paixão pouco usual.
Estranheza
A verdade é que este filme pode ser resumido em uma fala de Siobhán. São todos muito chatos, ao menos os homens. Por algum momento, o dono do pub e o cliente que insiste em repetir tudo fazem cenas interessantes. Também o amor que o jovem Dominic (Barry Keoghan) tem por Siobhán nos desperta alguma simpatia, pela falta de jeito com que o declara e por sua quase certeza de nunca ter o amor correspondido.
A estranheza prevalece enquanto nos interessamos pelos personagens. Mas com tanta chatice, e com Colm se tornando cada vez mais chato, fica difícil manter o interesse até o fim. É uma pena porque a chave não me pareceu diferente do filme anterior de Martin McDonagh, Três Anúncios para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017), no qual a estranheza prevalece até as soluções que a narrativa impõe, mantendo nosso interesse até o fim.
Nos últimos minutos de Os Banshees de Inisherin, a estranheza praticamente desaparece, sendo substituída pelo tédio, com a morte à espreita, numa visão privilegiada. Numa terra assim desolada, com tantos chatos dando sopa, a morte anda sempre por perto.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Os Banshees de Inisherin | The Banshees of Inisherin | 2022 | 114 min | Direção e roteiro: Martin McDonagh | Elenco: Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan, Gary Lydon, Pat Shortt.
Distribuição: 20th Century Studios Brasil.
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